Patentes de medicamentos para Aids são liberadas, mas muitos países não são beneficiados

Países excluídos devem estar prontos para emitir licenças compulsórias para ter acesso aos medicamentos

Um acordo anunciado hoje (12/7) pela empresa farmacêutica Gilead para licenciar alguns medicamentos de HIV/Aids para o Pool de Patentes de Medicamentos pode ampliar o acesso a medicamentos para os pacientes, mas exclui diversos países com um grande número de pessoas vivendo com HIV, disse hoje a organização médico-humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF).

“Esse acordo é um aperfeiçoamento do que outras grandes empresas farmacêuticas têm feito para garantir acesso aos seus medicamentos de Aids patenteados em países em desenvolvimento”, disse Michele Childs, diretora de políticas da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais (CAME). “Mas alguma cautela é necessária, pois em muitos locais importantes, a Gilead não está indo além do status quo. Para que a idealização de um Pool de Patentes capaz de fornecer uma solução para todas as pessoas vivendo com HIV seja concretizada, é preciso que seja feito mais, por isso, essa licença não deve servir de base para acordos futuros.”

O lado positivo é que a licença cobre dois medicamentos promissores que estão prestes a ser lançados, Cobistat e Elvitegravir, uma combinação também em fase de desenvolvimento, além do medicamento essencial Tenofovir. Isso pode ajudar a garantir que novas opções de tratamento estejam disponíveis simultaneamente em países em desenvolvimento e em países ricos.

A licença também permite o desenvolvimento de novas combinações em doses fixas e de formulações pediátricas. Além disso, a licença é a primeira de seu tipo a incorporar explicitamente o uso potencial de salvaguardas da saúde pública: ela permite que medicamentos sejam exportados para países excluídos do acordo quando o governo desses países decidir emitir uma licença compulsória, e também permite que os produtores saiam do acordo para qualquer um dos medicamentos se a Gilead perder uma patente por causa de alguma contestação legal. O acordo também foi tornado público o que estabelece um importante precedente de transparência.

O lado negativo é que o acordo está muito aquém do que é necessário para atender plenamente as necessidades de saúde pública para HIV/AIDS: ele dificulta a redução de preços via concorrência ao limitar a fabricação a apenas um país (Índia) e inclui opções estreitas de fornecimento de ingredientes farmacêuticos ativos necessários para fabricar os medicamentos. Mais crítico ainda é que as pessoas vivendo com HIV em certos países em desenvolvimento sejam excluídas. Isso contrasta fortemente com a primeira licença depositada no Pool de Medicamentos pelo National Institutes of Health dos EUA, que contemplava todos os países em desenvolvimento. Se as medidas voluntárias, como o Pool de Patentes, são incapazes de garantir às pessoas o acesso aos medicamentos de que necessitam, os países que são deixados de fora terão que buscar de forma incisiva caminhos não voluntários, como as licenças compulsórias.

Muitos dos países excluídos da licença da Gilead estão entre os primeiros nos quais MSF ofereceu tratamento para HIV/Aids há dez anos.

“Nós repassamos muitos programas de tratamento na América Latina e na Ásia para autoridades locais na confiança de que eles seriam capazes de oferecer às pessoas o tratamento de que elas precisam para se manterem vivas,” disse o Dr. Tido Von Schoen-Angerer, diretor executivo da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais. “Se as pessoas em países de renda média são deixadas de fora de acordos desse tipo, seus governos precisam ir atrás de licenças compulsórias para superar barreiras patentárias.”

A ideia inicial de um pool de patentes era a de permitir acesso para todas as pessoas em países em desenvolvimento. Qualquer produtor que atendesse os padrões certos deveria poder fazer uso das licenças para produzir e vender. Mas nesse acordo, fabricantes da Tailândia e do Brasil, que têm capacidade de produzir, foram deixados de fora.

Esse acordo baseia-se em contratos existentes feitos em 2006 entre a Gilead e produtores de genéricos do tenofovir (TDF), a espinha dorsal do tratamento melhorado de primeira linha. O novo acordo permitirá que estes produtores fabriquem os novos medicamentos desenvolvidos pela Gilead, mas não superam o problema de fornecimento para países que enfrentam barreiras de patentes como a China.

“Empresas que estão atualmente em negociação com o pool de patentes devem concordar em estabelecer licenças que atendam as necessidades de saúde pública de forma mais plena”, disse Michele Childs. “Nós esperamos que todas as empresas, incluindo Johnson&Johnson, Abbott e Merck também coloquem suas patentes no pool. Assim como esperamos que países que não se beneficiam desse acordo utilizem todos os meios, incluindo licenças compulsórias, para ampliar o acesso a medicamentos para suas populações.”

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