“Polônia enfrentará enormes desafios”

Felipe Van Braak, um dos líderes dos profissionais médicos da equipe de emergência de MSF que está trabalhando na Polônia e na fronteira da Polônia com a Ucrânia, descreve a atual situação na área.

Foto: Paweł Banaszczyk/MSF - Uma mulher que acabou de cruzar a fronteira da Ucrânia puxa sua bagagem pela fronteira de Medyka, na Polônia. A partir do local, as pessoas podem obter transporte para outros lugares do país ou da Europa. Polônia, 10 de março de 2022.

“O horror dos conflitos e a beleza que eles podem trazer às pessoas: você vê ambos aqui na Polônia. Em menos de duas semanas, a Polônia abriu suas fronteiras para receber ucranianos. Mais de 1,8 milhão de refugiados ucranianos estão agora na Polônia, com o número aumentando diariamente. O apoio prático das autoridades e do povo polonês tem sido impressionante. Inicialmente, nada estava centralizado, eram apenas pessoas agindo por conta própria para ajudar no que pudessem. Eu nunca havia visto mobilização espontânea em tal escala antes. Tem sido realmente comovente testemunhar, e eu gostaria que a mesma bondade fosse demonstrada aos refugiados vindos de outros lugares do mundo.
Em uma passagem de fronteira na semana passada, vi centenas de pessoas esperando para atravessar da Ucrânia. No lado polonês, os voluntários estavam esperando para receber as pessoas com sopa, chips para celulares, itens de higiene e roupas para proteger do frio. Escoteiros vieram de todo o país para ajudar as pessoas a carregar suas malas pela fronteira. Falei com um paquistanês que havia viajado de Kiev. Ele me disse: ‘Eu passei por um inferno, pensei que ia morrer, mas não tem sido nada além de bondade desde o minuto em que cheguei à Polônia’.

Foto: Adrienne Surprenant/MYOP – Pessoas aguardam para receber pessoas, incluindo familiares, que fogem da Ucrânia, na fronteira de Dolhobyczow. Polônia, em 5 de março de 2022.

 

Uma grande questão é o que acontece a longo prazo. Muitos voluntários precisarão voltar aos seus empregos. Estamos [neste cenário] há duas semanas, ainda há um grande número de pessoas em movimento e, em um ponto, o sistema pode começar a quebrar. Qualquer país faria grande esforço para atender a tantas pessoas. A Polônia aprovou uma lei que concede aos cidadãos ucranianos o estatuto de cidadãos regularizados, bem como o acesso a emprego, educação e serviços. Mesmo assim, a Polônia enfrentará enormes desafios. Os países mais ricos da Europa e além deveriam fazer muito mais.

Medicamente, uma das principais preocupações que tenho para as próximas semanas é a continuidade do atendimento a pacientes com doenças crônicas. Os refugiados da Ucrânia precisarão obter seus medicamentos regulares para hipertensão, diabetes, epilepsia, distúrbios psiquiátricos, tuberculose e outros problemas de saúde. Se eles não puderem acessar a medicação regularmente, sua doença piorará, talvez até precisando de hospitalização. Falando com profissionais médicos polacos, não tenho certeza de que o sistema de saúde da Polônia esteja pronto para um aumento tão grande das necessidades médicas. É crucial que a medicação seja disponibilizada para garantir que não haja interrupção em seus cuidados e que esses serviços sejam ampliados como uma questão de prioridade.

É particularmente importante que os serviços também sejam disponibilizados para qualquer pessoa que seja de outro país e que tenha vivido ou trabalhado na Ucrânia ou que tenha estado no país por qualquer outro motivo. Na semana passada, numa estação de trem, por exemplo, vi um grupo de jovens indianos que haviam chegado da Ucrânia e tentavam pegar um trem para a Alemanha. Atualmente, o transporte na Polônia é gratuito para os ucranianos, mas esses jovens foram solicitados a pagar por suas passagens. Para evitar que as pessoas sejam ignoradas e esquecidas, as informações sobre o acesso a cuidados médicos devem ser disponibilizadas a todas as pessoas que chegaram da Ucrânia, independentemente de sua nacionalidade”.

Compartilhar