Populações migrantes e refugiadas sofreram mais do que as comunidades locais com a falta de acesso à saúde durante a COVID-19

Em evento realizado por Médicos Sem Fronteiras, profissionais discutiram os impactos provocados por barreiras e medidas ilegais na oferta de serviços médicos para pessoas em movimento.

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Foto: Diego Ibarra Sánchez

A pandemia agravou ainda mais a situação já vulnerável da população migrante e refugiada, principalmente na América Latina. Muitas pessoas ficaram encurraladas por conta das medidas restritivas e das limitações de movimento. Ao mesmo tempo, elas enfrentaram dificuldades devido a medidas ilegais em diversos países, que restringiram seu acesso à vacinação e a tratamentos. Em alguns casos, o acesso era simplesmente negado e, em outros, obstruído com a exigência de documentos como comprovantes de residência, na maioria das vezes, impossíveis de serem obtidos por migrantes.

Para discutir como a COVID-19 tem afetado de maneira particular a população de migrantes e de refugiados nas Américas, Médicos Sem Fronteiras (MSF) reuniu nesta semana, em 30 de novembro, trabalhadores humanitários, acadêmicos e especialistas da comunidade científica no congresso virtual Scientific Days LatAm 2022. Na abertura do evento, a diretora da Unidade Médica Brasileira de MSF (BRAMU), Jennifer Marx, explicou a relevância do encontro. “Precisamos entender melhor quais foram os impactos da doença nas populações em movimento e, a partir dessa experiência, entender se estamos ou não mais preparados para outras emergências sanitárias.”

Sweetmavourneen Agan, analista nacional de pesquisa migratória da Organização Internacional para as Migrações (OIM), agência vinculada à ONU, apresentou estudos que mostraram taxas mais altas de infecção, hospitalização e morte pela COVID-19 em algumas populações migrantes na comparação com a comunidade local. E isso pode ser explicado, em parte, por uma combinação de fatores socioeconômicos. “Habitações pequenas e com muitas pessoas e atividades laborais presenciais tornaram mais complicada a adequação dessas pessoas às medidas protetivas. Além disso, as barreiras aos serviços médicos também tiveram muitas implicações”, afirmou Agan.

Mesmo em países onde há garantia constitucional de acesso equânime à saúde independentemente do status migratório, como no Brasil, houve entraves para que as pessoas pudessem receber atendimento médico e vacinas. O pesquisador da Universidade de Toronto, David Hill, estudou as limitações no acesso à vacina de COVID-19 para migrantes venezuelanos. De acordo com seu trabalho, o grupo não foi priorizado e ainda enfrentou a exigência de documentos. Essa medida fere o direito internacional, que garante a migrantes legais ou ilegais o acesso ao imunizante e à saúde.

“Em março de 2021, mais de 65% dos venezuelanos na Colômbia disseram que a falta de documentos foi uma barreira para os cuidados médicos. E, na Colômbia, no Chile e no Brasil, os venezuelanos precisaram de passaporte ou uma prova da sua situação jurídica, ou uma inscrição no sistema de saúde para se vacinar,” afirmou Hill.

Também nos lugares onde o acesso à saúde não foi negado, os migrantes encontraram outros obstáculos, como o desconhecimento dos seus direitos. Neste caso, profissionais sem capacitação especializada e a barreira da língua impediram que as pessoas mais vulneráveis conseguissem obter apoio e orientação para vencer a desinformação.

Denise Coviello, professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), lembrou que o Sistema Único de Saúde (SUS) foi fundamental para o atendimento da população durante a pandemia, inclusive para os migrantes em muitos casos. No entanto, ela apontou para a necessidade de aprimorar a compreensão sobre o acesso ao sistema. “As dificuldades podem ser supridas por articulações com a sociedade civil e pelo protagonismo de alguns migrantes em coletivos. As mobilizações podem construir caminhos mais inclusivos para essa população,” apontou.

Certamente, esses caminhos passam pela formação de profissionais de saúde, que deve contemplar os migrantes com uma visão não estereotipada. Regina Yoshie, também professora da Unifesp, ressaltou a necessidade da abordagem diversa, sensível e culturalmente mais próxima das necessidades dos migrantes. “O cuidado voltado a essa população deve ser vivenciado pelos estudantes em aulas teórico-práticas nos espaços de assistência à saúde e nos projetos de extensão. O tema deve fazer parte da formação deles,” avaliou Regina.

No encerramento do evento, Celso Bambaren Alatrista, chefe da unidade de preparação para emergência da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), destacou a importância de assegurar o acesso aos serviços de saúde para os migrantes, eliminando as barreiras, o estigma e a discriminação. Segundo ele, é preciso dar condições iguais a todos.

 

O que é o Scientific Days?

 Congresso anual promovido por Médicos Sem Fronteiras (MSF), que reúne trabalhadores humanitários, cientistas sociais e biomédicos, profissionais de saúde pública, epidemiologistas e a comunidade acadêmica para discutir temas relevantes sobre saúde e ajuda humanitária. Para a terceira edição do evento, MSF convidou 17 palestrantes de instituições como Organização Internacional para as Migrações (OIM), Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da própria organização. O debate teve como foco o tema: como a pandemia de COVID-19 tem afetado de maneira particular a população de migrantes e refugiados na América Latina.

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