RCA: melhor acesso à saúde faz crescer o número de pacientes

Em Bossangoa, nossas equipes observaram um aumento acentuado de pacientes de malária e desnutrição

RCA: melhor acesso à saúde faz crescer o número de pacientes

Annassagie Fekujuna espera pacientemente no departamento de nutrição do Hospital Universitário de Bossangoa, na província de Ouham, no noroeste da República Centro-Africana (RCA). O sorriso sereno no rosto dela contrasta com a cena ao seu redor: a enfermaria está cheia de crianças gravemente desnutridas, incluindo seu filho Juvenal. Annassagie segura o filho em seus braços enquanto aguarda a distribuição diária de leite começar.

A desnutrição tem sido uma realidade na província de Ouham e em outras partes da RCA há anos. No entanto, recentemente, houve um enorme aumento de casos complicados que chegam ao hospital que Médicos Sem Fronteiras apoia. Nos primeiros oito meses de 2018, MSF já havia tratado mais casos complicados de desnutrição grave (721) do que durante todo o ano de 2017 (671).

“O aumento do número de pacientes significa que as pessoas têm melhor acesso às instalações de saúde e que as atividades de divulgação e promoção de saúde de MSF têm sido eficazes na identificação de casos e encaminhamento para o hospital”, explica Hilaire Doutoumbay, uma das médicas de MSF em Bossangoa.

Existem várias causas por trás desses casos de desnutrição grave. Existe a insegurança crônica na RCA, que tem repetidamente deslocado comunidades. Há o acesso limitado a alimentos ou instalações de saúde em funcionamento em grande parte do país – a distância que as pessoas precisam percorrer para chegar a essas instalações de saúde pode ser muito distante.

Em setembro de 2018, o departamento de alimentação terapêutica com 45 leitos atendeu mais de 80 pacientes com desnutrição em sua ala. “Tivemos que montar tendas e contratar mais profissionais médico. Eu trabalho neste hospital desde 2013 e nunca vi tantos pacientes antes ”, acrescenta Doutoumbay.

O filho de Guillaume Belossou, Oscar, está gravemente desnutrido. “Primeiro fomos a um centro de saúde perto do nosso vilarejo, mas eles não tinham nada para lhe dar; é por isso que andamos até aqui”, explica Guillaume. Ele vem de um vilarejo perto da cidade de Markounda, a mais de 100 quilômetros de distância. “Eu sei que meu filho sofre de desnutrição. Só comemos mandioca porque não podemos comprar mais nada. Eu tenho 12 filhos e minha esposa morreu há duas semanas. Eu tive que deixar todos os meus outros filhos para vir aqui e tentar salvar este. Eu espero que meu filho sobreviva.”

A distância até os serviços de saúde disponíveis é uma das principais razões pelas quais tantas crianças em Bossangoa estão sofrendo de desnutrição aguda grave. Em resposta a isso, MSF estabeleceu um sistema de encaminhamento bem sucedido que traz mais de 200 casos graves para a instalação a cada mês por moto-táxi. Sem esse serviço, muitas dessas crianças nunca chegariam ao hospital, já que os custos de transporte são inacessíveis para a maioria das pessoas que moram nessa área.   

Em um quarto próximo no departamento de alimentação terapêutica de Bossangoa, uma criança chamada Ginasse bebe um copo de leite enquanto sua avó, Marie Mbora Koméssé, cuida dele. Eles chegaram em Bossangoa há quase duas semanas, mas Ginasse está tão doente que levará muito mais tempo para se recuperar. “Eu vim aqui quando vi que a pele das pernas do meu neto estava começando a cair. Por causa da dor, ele estava chorando muito. Eu queria salvar a vida dele ”, explica Marie, colocando a mão na cabeça do neto.

“Por causa do conflito atual, muitas pessoas na RCA perderam tudo. Eles foram deslocados várias vezes, não podem arcar com os custos para chegar às instalações de saúde e, para algumas famílias, não há o suficiente para comer ”, explica Nathanaël Momba, supervisor de enfermagem de MSF. “Com frequência eles têm muito medo de sair de suas casas por causa da insegurança constante. Mas há outra coisa: muitos centros de saúde foram danificados ou destruídos nos últimos anos. E quando você não mora em uma cidade grande, é difícil acessar qualquer serviço de saúde. Isso dificulta a procura por tratamento adequado. Então, quando as pessoas chegam a este hospital, muitas vezes já estão muito doentes.”

Malária e desnutrição: o círculo vicioso

“A malária e a desnutrição estão intimamente ligadas”, explica Nathanaël Momba. “Todo ano, quando a estação de chuvas começa, o número dos casos de malária aumenta. E quando um corpo, já levemente desnutrido, é afetado pela malária, enfraquece muito rápido. Uma desnutrição moderada se torna aguda. É como um círculo vicioso. E quando chega a esse estágio, nossa instalação é o único lugar na região onde as pessoas podem ser tratadas. Não há outro lugar.”

A malária é tão comum na RCA que as pessoas às vezes subestimam suas terríveis consequências. Therence, de 18 meses de vida, foi diagnosticado com a doença pela quarta vez. Seus pais, Méda e Mathuri, esperam ansiosamente seu filho acordar. “Ele não comeu nada nos últimos cinco dias”, diz o pai de Therence, “e ele está extremamente cansado. Nós dois tivemos malária muitas vezes, então não estávamos tão assustados. Mas é a primeira vez que ele está tão doente e agora tememos que ele nunca mais melhore. ”

Assim como a ala de alimentação terapêutica, o departamento de pediatria e a unidade de terapia intensiva (UTI) também estão cheios de crianças pequenas que sofrem de malária. Nos primeiros oito meses de 2018, o departamento de pediatria tratou 49% mais casos de malária em comparação com o mesmo período de 2017. Dos pacientes que eles testaram, 78% tinham malária, totalizando 138.675 pacientes tratados por malária nesse período.

Na UTI, Germaine cuida de seus filhos gêmeos de seis meses de idade, Dieu Merci e Dieu Bénit. Ela os trouxe pela primeira vez a uma clínica móvel de malária de MSF em Boguila, um vilarejo a 100 quilômetros de distância, quando percebeu que seus filhos estavam com febre. Ambos foram diagnosticados com malária e enviados diretamente para o Hospital de Bossangoa. “Não foi uma surpresa para mim” diz Germaine. “Eu conheço os sintomas. Eles estavam tremendo, mas seus corpos estavam mais quentes que o normal. Eu só queria ter notado isso antes.” MSF abriu recentemente novos postos de saúde e clínicas móveis de malária em novos campos de deslocados internos, onde encontraram um grande número de pacientes precisando de tratamento.

“A malária mata muito mais crianças neste país do que armas”

Apesar dos desafios, MSF continua a tratar pacientes com desnutrição e malária, preenchendo as lacunas de saúde em toda a região e encurtando a distância para as pessoas que precisam viajar para receber atendimento médico.

“Fazemos o que podemos, mas ainda há muito a ser feito. A população ainda carece de comida, acesso a cuidados de saúde e conhecimento sobre o que fazer quando adoece ”, diz Hilaire Doutoumbay. “Quando as pessoas falam sobre a RCA, elas frequentemente mencionam a violência como a causa de tudo. Mas elas esquecem completamente as outras consequências do conflito. A falta de acesso a cuidados de saúde é, para mim, um dos maiores problemas, porque condições como a malária e a desnutrição matam muito mais crianças na RCA do que armas. ”

 

MSF, juntamente com o Ministério da Saúde da RCA, administra os departamentos de pediatria, alimentação terapêutica, terapia intensiva, internação, maternidade e cirurgia no Hospital de Bossangoa desde 2013. A organização também oferece consultas de saúde mental aos pacientes do hospital. No norte de Nana Bakassa, MSF apóia três postos de saúde – Benzambe, Kouki e Bowaye – além de um centro de saúde em Nana Bakassa. Em Boguila, MSF apoia um centro de saúde e três postos de saúde no entorno (Sido, Boaya e Markounda), onde as equipes fornecem consultas ambulatoriais, cuidados de saúde sexual e reprodutiva, campanhas de vacinação e manejo de pacientes com desnutrição. Em 2018, MSF tratou 112.052 pacientes com malária e 1.246 crianças com desnutrição em toda a região.

Compartilhar