RDC: dois meses depois da eclosão da violência, Yumbi ainda cuida de suas feridas

Centenas de pessoas foram mortas e milhares se viram obrigadas a fugir com a eclosão da violência

RDC: dois meses depois da eclosão da violência, Yumbi ainda cuida de suas feridas

A violência que destruiu o território de Yumbi, na República Democrática do Congo, em dezembro de 2018 e deixou centenas de mortos, obrigou milhares de pessoas a fugir às pressas. Dois meses depois, a devastação ainda é claramente visível.

“Eu me lembro de ouvir alguém gritando ‘gasolina!’ pouco antes de eles incendiarem a casa. Fizeram barricadas para nos prender lá dentro. Eu empurrei e chutei com o meu pé para fazer um buraco na parede e conseguir sair. Eu perdi cinco dos meus filhos e netos naquele dia”, diz Chantal em uma voz quase inaudível.  A avó de 50 anos foi levada ao hospital com queimaduras de segundo grau em seu rosto e parte superior do corpo e passou mais de um mês no hospital de referência em Yumbi, onde Médicos Sem Fronteiras (MSF) montou uma sala de tratamento especial para cuidar das pessoas feridas pela violência ocorrida entre os dias 16 e 18 de dezembro de 2018. Mesmo agora, Chantal ainda vem todos os dias para ter seus curativos trocados. Mais de 60 pacientes, alguns em estado crítico, foram assistidos por MSF desde 22 de dezembro de 2018.

Além das feridas físicas, existe um trauma mais profundo. “Nós nos escondemos no centro de saúde da missão católica. Havia uma multidão de pessoas. Tinha muito pânico. As pessoas estavam chorando. No dia seguinte, quando saí para recolher alguns pertences, a cidade estava vazia, exceto pelos mortos. Eu vejo seus corpos em meus pesadelos. Eu só consigo dormir se eu beber”. Marcus  não é o único para quem a lembrança do que aconteceu é traumática. A falta de energia, depressão, perda de apetite e insônia são os sinais mais comuns de trauma identificados por MSF. “Quanto mais direto o contato das pessoas com a violência, pior são os sintomas de trauma. Para muitos, as feridas ainda estão abertas e, por isso, não devemos forçar um retorno muito rápido. Senão, existe o risco de uma nova onda de trauma entre aqueles que não se sentem prontos para voltar para casa, onde perderam tudo”, explica Nicholas Tessier, psicólogo de MSF em Yumbi.

Vários milhares de pessoas fugiram para ilhas fluviais, para a vizinha República do Congo ou para o interior, a uma boa distância de Yumbi e dos vilarejos afetados pela violência, como Bongende e Nkolo, que permanecem desertos, devastados pela destruição e por saques. “Não tivemos tempo para recolher nossos pertences. Descemos até o porto para fugir em canoas. Nós não tínhamos nenhum remo, então remamos com as mãos. Olha, até as roupas e sapatos que eu estou usando não são meus, eles foram dados a mim. Fizemos uma espécie de barraca e estamos dormindo no chão, em nossas roupas”, explica Yvette, que foi desalojada de Bongende.

MSF organizou a distribuição de kits de primeira necessidade contendo um pedaço de lona plástica, um cobertor, um mosquiteiro, sabão e corda para mais de 2.850 lares de deslocados. Esta solução de emergência é insuficiente para atender a todas as necessidades das populações em termos de abrigo e reconstrução, o que explica a necessidade de outros atores humanitários atuarem o quanto antes.

 “O sistema de saúde, que já era frágil na zona de Yumbi, também foi afetado por esses eventos. As unidades de saúde foram danificadas. Os profissionais de saúde fugiram”, explica Jean Paul Nyakio, responsável médico de MSF em Yumbi. A fim de garantir que as populações possam continuar a ter acesso a cuidados de saúde primária, MSF montou três clínicas móveis em vários locais da zona de saúde desde o início de janeiro até meados de fevereiro. Mais de 9 mil consultas foram realizadas por essas equipes móveis. “As condições precárias de vida e higiene causadas pelos deslocamentos populacionais aumentam o risco de disseminação de doenças. O aumento da desnutrição também aponta para uma situação preocupante de insegurança alimentar. Embora a fase grave da emergência tenha terminado, é essencial que recursos adicionais sejam alocados para apoiar o sistema de saúde a longo prazo”, ressalta.

Depois de uma resposta de emergência de dois meses, as equipes de MSF começaram gradualmente a retirar-se da zona de saúde de Yumbi para abrir caminho para que outras organizações fornecessem apoio de longo prazo para essas populações. MSF continuará monitorando a situação de perto, pronta para responder a qualquer momento no caso de novos surtos de violência ou epidemias. MSF também doará medicamentos necessários para um mês para as unidades de saúde na área, a fim de dar apoio durante este período de transição.
 

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