RDC: os avanços nas respostas aos surtos de Ebola

Experiência com as ações realizadas em surtos anteriores, vacina e novos tratamentos podem tornar doença mais facilmente tratável

RDC: os avanços nas respostas aos surtos de Ebola

O décimo surto de ebola na República Democrática do Congo (RDC), que atingiu a parte oriental do país entre 2018 e início de 2020, se tornou o maior da história do país. O 11º surto, em curso na província de Équateur, no oeste do país, parece bem diferente do anterior: prossegue em baixa intensidade, produzindo pequenos núcleos de casos em áreas isoladas e uma menor taxa de mortalidade geral. Como a resposta médica evoluiu? Como podemos aproveitar a experiência de surtos anteriores?

Guyguy Manangama, que lidera as atividades de Ebola em MSF, descreve na entrevista a seguir a situação na província de Équateur:

Qual é a situação atual da epidemia de Ebola na província de Équateur?

O 11º surto de Ebola na RDC foi declarado em 1º de junho de 2020. Desde então, 55 pessoas morreram da doença. Os primeiros casos foram relatados na cidade de Mbandaka, antes de pequenos núcleos começarem a aparecer nos distritos. Desde então, o surto vem avançando lentamente. Embora a situação pareça sob controle, a experiência mostra que novos núcleos ainda podem ocorrer.

Ao mesmo tempo, estamos observando níveis significativamente mais baixos de carga viral e mortalidade, em comparação aos do décimo surto, que atingiu o leste do país entre 2018 e 2020. A mortalidade ainda é alta, 43% hoje, mas está abaixo dos 67% que vimos durante o surto em Kivu do Norte e províncias de Ituri.

Uma possível explicação é que existe algum tipo de imunidade natural entre as pessoas de Équateur, já que esta região já viveu surtos de ebola antes – mais recentemente em 2018.  É possível então que algumas pessoas tenham tido exposição de baixo nível ao vírus antes e podem estar imunes de alguma forma. É uma hipótese baseada em observações e uma análise mais aprofundada é necessária para entendermos toda a situação. Também hoje estamos nos beneficiando do progresso científico feito nos últimos anos, incluindo nossa capacidade de usar uma vacina e tratamentos curativos que provaram ser eficazes em ensaios clínicos realizados durante o surto anterior em Kivu do Norte.

Quais são as principais diferenças entre os dois surtos e como eles afetam nossas atividades?

A epidemia anterior foi particular em muitos aspectos, incluindo o fato de ter ocorrido em uma área que nunca tinha visto a doença e possuía um conflito ativo. O surto em curso é muito diferente. Não vemos grandes núcleos de casos urbanos, mas casos esporádicos que não parecem se espalhar em uma forma linear. Na falta de estradas principais de longa distância, por exemplo, as comunidades se movem ao longo dos cursos de água à medida que vão de um pequeno vilarejo para outro. Como resultado, os pacientes são espalhados por uma vasta área que inclui 12 dos 17 distritos de saúde da província.

E as novas ferramentas desenvolvidas durante o último surto na parte oriental do país, principalmente a primeira vacina que já foi licenciada e os novos tratamentos que foram fornecidos? Que papel eles desempenham na resposta ao surto atual?

A vacina foi implantada no início do surto atual e pode ter desempenhado um papel importante, reduzindo a propagação do vírus. A estratégia é baseada na vacinação de pessoas que tiveram contato direto ou indireto com os doentes. Mas em áreas rurais e escassamente povoadas, muitas vezes é mais conveniente e eficaz vacinar toda a comunidade, resultando em um nível de proteção mais alto de fato.

Após alguns atrasos, os novos tratamentos também foram implantados. Hoje, essas ferramentas permitem uma mudança radical na abordagem. Enquanto limita a circulação do Ebola, que continua a ser um objetivo muito importante para a resposta, os esforços estão agora cada vez mais focados em cuidados e na recuperação do paciente.

Anteriormente, podíamos fazer pouco mais do que isolar os doentes e fornecer-lhes medicamentos sintomáticos – por exemplo, para febre ou desidratação. Ter tratamentos curativos à nossa disposição significa que o paciente e a qualidade do atendimento podem ocupar o lugar central. Mais progresso ocorreu na forma de profilaxia pós-exposição. Isso inclui administrar anticorpos monoclonais para pessoas com alta probabilidade de desenvolver a doença, após alto risco de exposição ao vírus (por exemplo, por meio do contato com o sangue de um paciente), desde que seja feito dentro de 72 horas da exposição.

Um dos principais desafios em Kivu do Norte e Ituri foi a reação das pessoas à chegada das equipes de resposta. Como é a relação com a comunidade na província de Équateur?

No nordeste da RDC, trabalhamos em um contexto instável, marcado por um conflito muito violento que levou a tensões políticas durante longos períodos. Em Équateur, o ambiente é muito mais tranquilo. A boa relação entre o pessoal de saúde e a população local também pode ser atribuída à nova abordagem adotada na resposta, que se baseia no empoderamento de microestruturas descentralizadas para o tratamento do Ebola em unidades de saúde locais, perto de pacientes e comunidades, limitando o uso de grandes instalações centralizadas e pessoal importado. Em suma, nós apoiamos a rede local de saúde para identificar, isolar e tratar pacientes com Ebola, minimizando a necessidade de um sistema paralelo.

Promovemos essa abordagem já em 2019, enquanto combatíamos o surto anterior no leste. Agora, foi adotada por todos os envolvidos na resposta médica, incluindo o Ministério da Saúde, e tem muitas vantagens. Grandes centros de tratamento não são apreciados pelas comunidades, nem facilmente aceitos pelos pacientes e suas famílias. São hermeticamente fechados, impenetráveis, despertam o medo. A incompreensão e hostilidade que os centros geraram em 2018 e 2019 produziram reações duras, às vezes muito violentas.

Por ter a opção de ser tratado mais perto de casa, em instalações conhecidas e acessíveis a suas famílias, os pacientes estão muito mais dispostos a se apresentar em caso de sintomas. Se eles são na verdade, infectados com o Ebola, a admissão precoce para atendimento também aumenta suas chances de recuperação. Quando enviamos nossas equipes móveis, também levamos em consideração as necessidades mais amplas de saúde das pessoas, o que também contribuiu muito para a boa aceitação de nossas equipes pelas comunidades.

Este vírus mortal está finalmente começando a se parecer com uma doença muito séria, mas tratável – e até mesmo evitável até certo ponto por meio da vacinação – ao invés de uma ameaça biológica.

 

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