Refugiados da guerra no Sudão compartilham suas experiências de sobrevivência

Conflito gerou a maior crise de deslocamento do mundo, e pessoas que fogem para o Sudão do Sul, país vizinho, não têm acesso aos recursos mais básicos

Abrigos improvisados no Centro de Trânsito de Renk, no Sudão do Sul. © Kristen Poels/MSF

A guerra em curso no Sudão, que começou em abril de 2023, provocou a maior crise de deslocamento do mundo, com mais de 10 milhões de pessoas forçadas a fugir das suas casas. Desde então, mais de 680 mil pessoas chegaram ao Sudão do Sul, país vizinho, um lugar no qual o sistema de saúde e a assistência humanitária existentes mal conseguem satisfazer as necessidades da sua população.

Nos próximos meses, é provável que a pressão sobre os serviços de saúde locais e sobre as organizações humanitárias aumente. A previsão é que, até julho, 7 milhões de pessoas não tenham acesso a alimentos de forma suficiente no Sudão do Sul. Muitas delas chegam feridas e com desnutrição grave.

Abaixo, refugiados da guerra no Sudão compartilham as suas experiências de sobrevivência. São pessoas e famílias que tiveram de largar tudo o que tinham para trás e fugir para o Sudão do Sul. Conheça alguns relatos:

Aliza Kon (de azul) e a família no Centro de Trânsito em Renk. © Kristen Poels/MSF

Estamos perdendo a esperança.”
– Aliza Kon, 36 anos de idade.

Aliza Kon, de 36 anos de idade, é sul-sudanesa, mas vivia no Sudão. Ela fugiu com a família de volta para seu país de origem quando a guerra começou.

“Saímos do Sudão do Sul por causa dos conflitos entre as comunidades e ficamos em Cartum (no Sudão) por quatro anos, porque não conseguíamos achar trabalho aqui. No Sudão do Sul, há muita discriminação, e se você não pertencer ao [grupo étnico] “bom”, não conseguirá trabalhar. Mas a certa altura, ficamos com muito medo da guerra no Sudão, havia soldados por todos os lados. Tivemos que sair de lá e vir para cá.

Agora, toda a família está cansada e doente. Uma das crianças está com verminose, a outra criança está com doença de pele, a avó tem pressão baixa e eu estou com problemas nos dentes. Não temos comida e não conseguimos ajuda por causa da situação. Só Deus sabe o que está por vir. O que importa agora é que não ouvimos mais os bombardeios, parece mais seguro, mas não é fácil correr de um lugar para outro. Sabemos que não há saída, tudo está ruim. Estamos perdendo a esperança.”

Dak Uchol chegou ao Centro de Trânsito de Renk em dezembro de 2023. © Kristen Poels/MSF

Nada pode curar a fome e as más condições de vida.”
-Dak Uchol, 70 anos de idade.

Dak Uchol fugiu de Cartum, no Sudão, para o Sudão do Sul com 17 pessoas na família. O mais novo tem 5 meses de vida, nasceu durante uma escala nessa jornada.

“Está tudo difícil. Em Cartum tínhamos uma vida agradável, todos estavam seguros. Aqui a doença está por toda parte, principalmente por causa da má qualidade da água. As crianças têm dores de estômago e diarreia. Quando estamos doentes, podemos ir à clínica móvel de MSF e receber medicamentos para aliviar a dor. Mas nada pode curar a fome e as más condições de vida.

Muitas pessoas também sofrem de problemas de saúde mental e podem obter apoio de MSF, mas é uma solução apenas de curto prazo. Sabemos que não melhoraremos enquanto vivermos assim. Depois do calor extremo, chegará o período das chuvas e não teremos nem lonas plásticas para proteger as crianças. Quem cuidará de nós quando isso acontecer? Quem protegerá nossos abrigos?”

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Mary Okoth Yomon e o filho de dois anos e meio no hospital de Renk, no Sudão do Sul. ©Kristen Poels/MSF

Meu filho está doente há mais de um ano.”
– Mary Okoth Yomon, 44 anos de idade.

Mary Okoth Yomon estava no acampamento de Khor e chegou ao hospital de Renk com o filho com desnutrição.

“Meu bebê tem 2 anos e meio e está doente há mais de um ano. Ele está com tuberculose, mas desde que saímos de casa por causa da guerra, não faz mais tratamento. Agora ele come muito mal e foi internado na enfermaria para desnutrição deste hospital. Acho que ele está melhorando, mas ainda está muito fraco.

Tive sete filhos, mas três morreram. Espero que este não morra. Em todos os outros lugares que tentei antes, eles não conseguiram curá-lo. Então vim especialmente para este hospital porque ouvi que MSF está aqui. Quando ele melhorar, quero voltar para o acampamento de Khor e cuidar dos meus outros filhos.”

Mary Niogok quer voltar para o Sudão. © Kristen Poels/MSF

Não temos nada para comer.”
– Mary Niogok, 40 anos de idade.

Mary Niogok saiu do Sudão para levar uma tia que está doente ao Sudão do Sul. Ela ainda não conseguiu retornar para casa.

“Quando a guerra eclodiu, eu decidi acompanhar uma tia no Sudão do Sul para que ela estivesse segura. Fiquei sozinha com ela. Achei que a jornada não seria muito longa, mas desde que chegamos a Renk, em novembro do ano passado, o estado dela está piorando. Ela está literalmente morrendo de fome. Ela não era tão magra antes, agora é possível ver até os ossos dela, e ela está deitada no chão, sem nenhuma energia.

Se vier a chover, não sei o que farei, ela ficará deitada na lama, pois não temos nada para proteger nosso abrigo. Isso se deve às condições de vida aqui. Não temos nada para comer. Não posso ir mais longe com ela, mas também não posso voltar porque tenho que cuidar dela. Estou presa aqui.”

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Achol Akiri com os netos na clínica de MSF. © Kristen Poels/MSF

Se MSF não estivesse aqui, eu já teria ido embora.”
– Achol Akiri, 40 anos de idade.

Achol Akiri foi para a clínica móvel de MSF porque a neta está doente, precisando de cuidados médicos.

“Estou em Renk com meus netos porque minha filha morreu em dezembro, dando à luz sua última filha. Desde então, cuido deles e quero levá-los para Juba (capital do Sudão do Sul), e depois, se puder, para Uganda ou Quênia. Aqui não há nada de bom para eles. A pequena tem quatro meses e está doente. Como ela não tem acesso a leite materno, é difícil dar comida, e a água do acampamento é ruim. Ela tem diarreia repetidas vezes. Se MSF não estivesse aqui, eu já teria ido embora, mas agora estou esperando a cura da minha neta. Espero que ela melhore logo, ouvi dizer que os médicos de MSF são bons, então mantenho a esperança.”

 

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