Refugiados da guerra no Sudão relatam violência durante deslocamento para o Chade

Milhares de sudaneses se refugiam em acampamentos no leste do Chade, onde há escassez generalizada de recursos básicos para sobrevivência

Youssef Mohamed, deslocado de Darfur do Norte, no Sudão, agora vive no leste do Chade. © Hareth Mohammed/MSF

Após um ano e meio de guerra no Sudão – iniciada em abril de 2023 – muitas pessoas ainda se veem forçadas a sair do país e se refugiar no leste do Chade, em acampamentos onde as condições de vida são terríveis. O acesso a água potável, saneamento básico e instalações de saúde é muito limitado nesses locais.

Nossa equipe conversou com Salwa, Aziz, Youssef, e Amina para ouvir suas histórias de deslocamento forçado saindo da região de Darfur, no Sudão, e suas jornadas de sobrevivência como refugiados no leste do Chade.

A guerra destruiu tudo.”

– Youssef Mohamed

Youssef Mohamed agora vive no Chade, onde busca um trabalho para sobreviver e sustentar a família. © Hareth Mohammed/MSF

“Minha família está longe, a guerra está em curso e todos os dias tenho notícias de mais mortes. Tenho 57 anos de idade agora. Cheguei em Iriba, no leste do Chade, vindo de Adre, procurando trabalho. Mas, infelizmente, não consegui encontrar emprego. Deixei minha família para trás por isso, então é difícil.

Minha esposa, meus irmãos e irmãs estão espalhados em lugares diferentes. Meus filhos estão fora da escola há quase um ano. Eles não estudam mais. A guerra destruiu tudo.

Eu vivo com diabetes há 12 anos. Antes da guerra, eu ia a Cartum para fazer o tratamento. Eu estava em Cartum quando a guerra começou. Passei um mês lá, depois me mudei para o estado de Gezira, onde vivi por cinco meses até ir para El Fasher. Ao longo do caminho, enfrentei assédio, violência, ameaças e humilhações das forças armadas.

Com a diabetes, preciso de cuidados médicos regulares, incluindo exames oftalmológicos, hepáticos e renais a cada três meses. Mas desde que cheguei aqui, não encontrei nenhum desses serviços. O tratamento para diabetes é muito caro ou não está disponível no Chade. Eu também preciso de uma dieta específica, mas aqui é difícil encontrar vegetais e frutas.

Antes da guerra, eu tinha meu próprio escritório no mercado e era o diretor de uma escola. Eu costumava cultivar feijão, gergelim e milho, mas a guerra interrompeu tudo isso.

Educar meus filhos é a coisa mais importante para mim agora, mas eles ainda estão em Kabkabiya, no Sudão, e eu não sei o destino deles. Às vezes, há ataques aéreos, e temo que eles possam ser atingidos, porque a região está em guerra.

Trouxe comigo apenas algumas fotos dos meus filhos e da família, além de alguns materiais didáticos em pen drives.

Espero voltar ao Sudão. Quero que meus filhos frequentem a escola, que minha família esteja em uma situação estável e que o Sudão seja melhor do que era antes.”

Não tivemos tempo de levar nenhum de nossos pertences.”

– Salwa Saleh

Salwa Saleh, deslocada de Darfur do Sul, no Sudão, agora vive no leste do Chade. © Hareth Mohammed/MSF

“A guerra nos pegou de surpresa. Saímos com tanta pressa que não tivemos tempo de levar nenhum de nossos pertences ou memórias importantes. Deixei para trás tantas coisas bonitas em Nyala.

Meus filhos perderam o pai. Para chegar aqui, tivemos que viajar da cidade de Nyala para Tina. Isso geralmente leva dois dias, mas levamos quatro. Passamos por áreas de confronto entre as Forças de Apoio Rápido e as Forças Armadas Sudanesas. Era aterrorizante e exaustivo.

Estou neste acampamento há um ano e dois meses. Viver aqui é como viver em uma casa sem paredes ou sem cerca. Ainda sofremos com a falta de comida, água potável, educação adequada, hospitais e cuidados médicos.

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Antes da guerra, íamos trabalhar e voltávamos para casa para nossos filhos. Podíamos atender às nossas necessidades. Mas desde que a guerra começou, a vida se tornou muito mais difícil. Espero pelo dia em que a vida voltará ao normal, quando encontraremos segurança e estabilidade. Quando nossos filhos poderão voltar para suas escolas.

Espero um futuro melhor para meus filhos. Quando a guerra no Sudão terminar, sonho em ter a oportunidade de viajar, completar a minha formação, aprender novos idiomas e encontrar um emprego. Quero sustentar meus filhos e minha família.”

Eu não conseguia imaginar que sobreviveríamos.”

– Aziz Adam

Aziz Adam, deslocado de Darfur Ocidental, no Sudão, agora vive no leste do Chade. © Hareth Mohammed/MSF

“Minha família está incompleta aqui. A guerra nos separou. Fugimos em estado de pânico, aterrorizados. Não tivemos tempo de levar nada, alguns chegaram até descalços.

Caminhamos 20 km a pé para chegar aqui. Ao longo do caminho, encontramos integrantes das Forças de Apoio Rápido que nos ameaçaram. Alguns dos meninos que faziam o percurso no mesmo grupo que o meu foram atribuídos ao grupo étnico Masalit. Eles foram presos e mortos.

Pensamos que iríamos morrer também. Eu não conseguia imaginar que sobreviveríamos.

Quando penso nas tragédias, na dor que deixamos para trás, não tem como eu voltar. Mas eu ouço algumas pessoas dizerem que preferem voltar para a guerra no Sudão a suportar o inferno que enfrentamos no acampamento.

Já faz quase um ano que cheguei aqui, e agora tenho 24 anos de idade. Saímos de uma situação difícil para uma ainda pior. Faltam recursos básicos, como água potável e comida.

Agora, minha família e eu estamos desesperados. Precisamos de educação, saúde e um futuro melhor. Mas a realidade em que vivemos é sombria. Sinto-me estagnado, preso entre o Sudão, onde o futuro é incerto, e o Chade, ao qual não pertenço.”

Todos nós no acampamento sentimos a falta de alguém.”

– Amina Suleiman

Amina Suleiman, deslocada de Darfur Central, no Sudão, agora vive no leste do Chade. © Hareth Mohammed/MSF

“A guerra em Zalingei, de onde sou, começou em 15 de abril de 2023 – no mesmo dia em que teve início em Cartum. O que testemunhei em Zalingei e durante nosso deslocamento nunca me deixará. As lembranças estão gravadas na minha memória e também assombram nossos filhos. Eles estão brincando com galhos, fingindo que têm armas. As crianças estão vivendo com o trauma da guerra.

Tenho 24 anos agora e não sei se tenho futuro. As crianças aqui, algumas têm 2 ou 3 anos de idade, elas merecem algo melhor.

Moro neste acampamento há um ano e um mês, desde 4 de agosto de 2023. A vida não é fácil. Comida e água são escassas. Não há empregos aqui, mesmo para as pessoas com formação educacional.

Também estamos enfrentando uma crise de saúde. Não há centro de saúde no acampamento. Não temos médicos especializados para doenças cardíacas ou oftalmológicas, e muitas pessoas estão sofrendo, incluindo mulheres que precisam de cuidados obstétricos. No nosso acampamento anterior, o centro de saúde não tinha medicamentos.

Precisamos de apoio psicológico. Muitos de nós perdemos familiares para a guerra. Pessoas estão desaparecidas. A guerra nos dividiu, separando-nos de nossos entes queridos. Todos nós aqui no acampamento sentimos a falta de alguém.

Se eu pudesse escolher, preferiria voltar para o Sudão, mesmo que isso significasse morrer lá. Seria melhor do que morrer neste acampamento.”

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