Refugiados da Rep. Centro-Africana: “Eles estão muito fracos e traumatizados”

Coordenador de emergência detalha atuação de MSF com refugiados em Camarões

Algumas semanas atrás, a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) começou a trabalhar em Garoua-Boulaï, uma pequena cidade no leste de Camarões, na fronteira com a República Centro-Africana (RCA). Fugindo do conflito em andamento, mais de 22 mil pessoas cruzaram a fronteira do país nas últimas semanas. Para muitos, a jornada foi difícil e perigosa e eles chegaram a Camarões com poucos pertences. Sylvain Mathieu, coordenador de emergência de MSF, descreve a situação nos acampamentos transitórios em Camarões.

Por que MSF começou a trabalhar em Camarões?
Milhares de pessoas da RCA fugiram para Camarões e países vizinhos após os confrontos que tiveram início em dezembro de 2013 entre grupos anti-Balaka e ex-Seleka. Há três principais pontos de passagem entre a RCA e Camarões: Ngaoui, na região de Adamaoua, Garoua-Bouläi e Kantzou, no leste do país.

Garoua-Boulaï é uma cidade fronteiriça na principal estrada que liga Camarões e a capital da RCA, Bangui, e é ponto de abastecimento dos caminhões que passam por ali. Alguns refugiados estão vindo de regiões fronteiriças, mas alguns saem de Bangui.

As pessoas, geralmente, viajam em picapes e caminhões. Quando chegam aqui, ficam entre a população local de Garoua-Boulaï. É difícil saber o número exato da população de refugiados porque estamos em contexto urbano. No momento, estima-se que 4.500 refugiados estejam em Garoua-Boulaï e cerca de 10 mil estejam em outro campo transitório em Méganga. Outros grandes aglomerados de pessoas estão espalhados por diversas localidades. Estamos prevendo um influxo significativo de refugiados nos próximos dias.

Em que condições os refugiados chegam a Garoua-Boulaï?
Eles chegam com pouquíssimos pertences. A maioria deixou o país apenas com a roupa do corpo. Alguns estão saudáveis, mas muito cansados. Eles andaram quilômetros até alcançar a fronteira com Camarões e se alimentaram do que puderam encontrar pelo caminho, como folhas e raízes. As pessoas que vemos aqui estão muito fracas física e mentalmente, além de estarem traumatizadas. Algumas vezes, os pacientes começam a chorar durante as consultas médicas.

Recebemos dois casos de ferimentos à bala, que encaminhamos para outros hospitais. Alguns refugiados nos contaram que homens armados atiraram pedras em seus comboios. Tudo isso contribui para o trauma. Um dos refugiados nos contou que ele quase foi morto quando homens armados invadiram sua casa após matarem seu vizinho. Ele se escondeu no mato onde encontrou outros refugiados antes de entrar nos caminhões da Missão Internacional de Apoio à República Centro-Africana (MISCA). O mesmo homem escapou da morte pela segunda vez quando o caminhão em que estava viajando foi atacado. Graças ao motorista que pagou por sua soltura, ele pôde chegar em segurança a Camarões. Seu vilarejo inteiro, próximo a Baoro, foi incendiado e a maioria dos habitantes foi morta.

Quais atividades médicas estão sendo conduzidas por MSF?
Estamos, agora, concentrando esforços na oferta de cuidados de saúde primária aos refugiados. Em uma semana, nossas equipes realizaram 900 consultas. Estamos atendendo muitos casos de malária entre crianças, bem como de infecções respiratórias.

Em parceria com o Ministério da Saúde de Camarões e outras organizações não governamentais presentes aqui, vamos tratar também a desnutrição severa. De acordo com nossos colegas de MSF do outro lado da fronteira da RCA, receberemos muitos casos.

Estamos para dar início aos trabalhos no acampamento de Borgone, a cerca de 45 quilômetros de Garoua-Boulaï. Logo que os acampamentos transitórios forem estruturados, começaremos atividades também ali.

Quais são as necessidades dos refugiados quando cruzam a fronteira?
Precisam se alimentar. A maioria fugiu rapidamente, sem possibilidade de levar nada consigo, e encontrar comida foi sempre a principal preocupação. O Programa Mundial de Alimentos não começou suas distribuições e, no meio tempo, a população local de Garoua-Boulaï demonstrou uma incrível solidariedade, distribuindo comida aos refugiados.

Há também uma necessidade significativa de apoio psicológico. De um dia para o outro, muitas dessas pessoas viram seus vizinhos se virarem contra elas devido à religião e estão profundamente chocadas.
 
MSF atua em Camarões desde 1984. A organização atua com pacientes com úlcera de Buruli em Akonolinga e, até recentemente, com pessoas vivendo com HIV/Aids em Douala. MSF presta suporte ao Ministério da Saúde do país durante desastres naturais e epidemias.

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