Refugiados do Chade devem escolher entre voltar ou ficar nos acampamentos

Milhares de pessoas que foram buscar refúgio em Camarões ainda não se sentem seguras para voltar para suas casas

Milhares de pessoas tiveram de decidir entre voltar para N'Djamena e se estabelecer em um acampamento de refugiados. Duas semanas após os intensos confrontos na capital do Chade, chegou a hora dos chadianos que buscaram refúgio em Camarões fazer uma difícil escolha.

Eles se estabeleceram, freqüentemente em condições improvisadas, em Kousseri, uma cidade muito próxima à fronteira. Nos últimos dias, várias famílias já haviam escolhido voltar para N'Djamena, mas desde sábado as Nações Unidas começaram a transferir os civis restantes para o acampamento de Maltam, localizado a cerca de 30 quilômetros de Kousseri.

Para milhares de pessoas isso agora significa escolher entre voltar para N'Djamena ou se transferir para Maltam. Voltar para casa e enfrentar incertezas ou morar em um acampamento longe, mas seguro. Com a transferência, as autoridades também esperam separar os refugiados dos habitantes de Kousseri e N'Djamena que estão se aproveitando dos serviços humanitários.

Insegurança é a principal razão apontada pelos refugiados que hesitam em voltar para o Chade. Alguns ainda têm muito medo devido aos violentos confrontos registrados na capital do país.

"Os rebeldes entraram e arrasaram a cidade. Havia corpos em todos os lugares, até mesmo nas nossas portas. Era como se estivéssemos em 1979 (durante a guerra civil), mas ainda mais brutal", lembrou Fatima, uma viúva que buscou refúgio em Kousseri com dois de seus netos. "Eu não posso voltar para a linha de fogo, eu já cansei de ver isso. É a quarta vez que eu passo por esse tipo de situação. Eu já perdi meu marido e meu irmão mais velho em outros confrontos. A cada vez, nós, os menos afortunados, morremos".

Os confrontos terminaram há 15 dias, mas o medo continua. Os boatos mais malignos estão circulando.

"As notícias que chegam de N'Djamena não são boas", explicou Madirome, uma jovem de 24 anos. "Nós ficamos sabendo que os rebeldes estão prontos para atacar a capital de novo. Eles querem poder e Déby (o presidente) não quer partir. Se eles não chegarem a um acordo, os confrontos não vão acabar".

Medo de retaliações soma-se ao medo dos conflitos. Nas últimas duas semanas, tiroteios têm sido freqüentes nas noites de N'Djamena. Além disso, as autoridades chadianas estão perseguindo pessoas que aparentemente participaram dos saques durante os confrontos. Muitas histórias sobre os poderosos métodos usados pelas autoridades são ouvidas.

"Os militares têm armas e estão ameaçando as pessoas. Eles procuram as casas e levam os bens", explicou um homem que acabara de voltar de N'Djamena.

Embora seja hora de decidir voltar para o Chade ou não, a segurança é um fator importante, mas não o único a ser levado em conta. Para os mais pobres, há também a questão de encontrar as coisas básicas que vão permitir que sobrevivam.

"Eu ainda não sei se vou para Maltam," explicou Narcisse, um homem de cerca de 50 anos que mora em Kousseri com cinco pessoas da sua família. Suas reservas de comida acabaram e eles dormem a céu aberto.

"Por um lado, eu tenho uma casa em N'Djamena, mas no contexto atual, não é possível voltar. Acima de tudo, sou carpinteiro e todas as atividades econômicas foram suspensas. Se eu voltar e tudo ainda estiver parado, o que vou fazer? Em Maltam, pelo menos vou ter comida. Eu posso ficar por lá e ver o que acontece em N'Djamena."

O aumento dos preços após os confrontos afeta principalmente os mais desfavorecidos. Henriette, uma avó que tem vivido embaixo de uma árvore pelos últimos 12 dias com 12 pessoas da sua família, afirmou que se houver garantia de alimentação, eles vão para Maltam.

"Não há nada em N'Djamena. Millet é muito cara agora. O que vamos comer se voltarmos?"

No sábado passado em Kousserri, as pessoas estavam lutando para entrar em um dos caminhões que partiam para o acampamento, atraídos pela idéia de receber comida e assistência. Para Siméon, um estudante que afirma não querer voltar para o Chade, a situação é simples: "Os que não têm nada preferem ir para Maltam e receber comida".

Até agora, a transferência tem ocorrido de maneira devagar. No primeiro dia, apenas 700 pessoas conseguiram ir embora. Os que ficam em Kousseri ainda vivem em condições precárias. Mesmo se cobertores e lençóis são distribuídos, muitas famílias ainda reclamam do frio e da falta de comida. Em Madana, o principal acampamento temporário, onde os deslocados foram buscar refúgio, Médicos Sem Fronteiras (MSF) vai manter suas consultas médicas até que a maioria dos refugiados tenha ido embora.

Mesmo se muitos refugiados quiserem chegar a Maltam, a maior parte do acampamento ainda está em fase transitória. A maioria dos refugiados que foi entrevistado afirmou querer voltar para N'Djamena nos próximos meses, depois que a poeira baixar.

"Eu não posso voltar agora. Se eu o fizer, vou lembrar o que aconteceu. Eu vou ficar até as coisas se acalmarem. Uma vez que a poeira baixar em N'Djamena, eu volto", disse Fatima.

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