República Centro Africana: repetidos ataques a cuidados médicos deixam população vulnerável a doenças e morte

Instalações médicas destruídas pela violência, ameaças à vida de pacientes e das equipes de saúde forçam MSF a suspender temporariamente atividades médicas, incluindo o fornecimento de cuidados vitais.

República Centro Africana: repetidos ataques a cuidados médicos deixam população vulnerável a doenças e morte

Bangui, 19 de julho de 2021 – Ataques implacáveis a pacientes, equipes de saúde e instalações médicas na República Centro Africana (RCA) durante um aumento da violência em todo o país estão forçando a suspensão das atividades médicas e restringindo seriamente o acesso das pessoas aos cuidados de saúde, afirma a organização médica internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF).

“O ressurgimento do conflito na RCA desde dezembro afetou muito a população civil e os cuidados médicos”, disse o coordenador-geral de MSF, Rhian Gastineau. “Estamos muito alarmados com os repetidos ataques a pacientes, profissionais de saúde e instalações médicas”.

Equipes de MSF testemunharam dezenas de instalações de saúde saqueadas, danificadas e ocupadas por homens armados. As incursões armadas em hospitais expuseram os pacientes à violência, abuso físico, interrogatório e prisão. Trabalhadores comunitários de saúde em áreas rurais foram ameaçados e agredidos, enquanto motociclistas que entregavam medicamentos vitais e transportavam pacientes feridos e doentes para o hospital foram agredidos, feridos e roubados à mão armada. Esses atos de violência geralmente são atribuídos pelas partes em conflito a elementos não controlados de vários grupos armados.

Instalações de saúde saqueadas

Em fevereiro deste ano, combates entre forças governamentais e grupos armados não-estatais dentro de um centro de saúde apoiado por MSF no campo Elevage para pessoas deslocadas, perto de Bambari, deixaram o prédio danificado depois que o local foi atingido por um foguete. Em junho, um posto de saúde próximo foi destruído após 8.500 deslocados serem expulsos do local, que foi queimado e totalmente destruído.

Nos últimos seis meses, equipes móveis de MSF nas prefeituras de Ouaka, Ouham-Pendé e Ombella-Mpoko testemunharam várias instalações de saúde saqueadas e parcialmente destruídas, com painéis solares, suprimentos médicos e colchões roubados, além de portas e janelas quebradas.

Em Bangui e em outros lugares, homens armados entraram em unidades de saúde administradas e apoiadas por MSF para interrogar ou prender pacientes. Em fevereiro, um grupo de pessoas armadas tentou matar um paciente no hospital apoiado por MSF em Bouar.

Trabalhadores de saúde atacados

Em maio, perto da cidade de Kabo, dois agentes comunitários de saúde – treinados por MSF para tratar pessoas em áreas remotas com doenças comuns como diarreia, malária e desnutrição – foram baleados nas pernas e na cabeça durante assaltos à mão armada, enquanto outros dois outros ficaram com muito medo de continuar trabalhando após receberem ameaças de morte.

Em junho, um comboio que transportava pacientes para o hospital de MSF em Batangafo foi pego por homens armados em uma emboscada, deixando o zelador de um paciente morto, além de um motociclista e dois pacientes feridos. Dois outros ataques ocorreram nas proximidades no mesmo mês, enquanto aconteceram também situações semelhantes perto de Bossangoa e Bria.

“Desde dezembro, locomover-se nos arredores das principais cidades tem sido extremamente difícil e perigoso devido a postos de controle, roubos e ataques”, disse Gisa Kohler, coordenadora adjunta de programas de MSF.

MSF forçada a suspender atividades

Como resultado desses incidentes, em várias ocasiões MSF teve que suspender temporariamente suas atividades médicas, incluindo o fornecimento de cuidados vitais, supervisão da equipe do centro de saúde, fornecimento de medicamentos e transporte de pacientes. “Ser forçada a suspender nossas atividades apenas intensifica a vulnerabilidade das pessoas e resulta em mortes evitáveis de crianças e mulheres com complicações na gravidez e no parto, entre outros”, diz Kohler.

Em Paoua, Bria e em outros lugares, a crescente insegurança impediu as equipes de MSF de fazer visitas regulares aos centros de saúde periféricos que apoiam. Isso tem um impacto profundo na qualidade do atendimento prestado e interrompe o fornecimento de medicamentos essenciais.

MSF teve que reduzir os encaminhamentos de pacientes por motocicleta das áreas rurais para Kabo, desde abril, devido aos riscos envolvidos. Como resultado, o número de pacientes encaminhados a cada mês caiu quase pela metade. Em junho, os agentes comunitários de saúde de MSF em algumas áreas ao redor de Kabo conseguiram realizar apenas um quarto do número normal de consultas semanais devido à insegurança.

“A suspensão e redução das atividades médicas em várias áreas onde trabalhamos é muito preocupante, especialmente com a estação chuvosa em curso, quando os casos de malária e outras doenças fatais atingem o pico”, diz Kohler.

Medo e pânico atrapalham a saúde

Como resultado da crescente insegurança, muitas pessoas estão com medo de deixar suas casas para visitar um médico, enquanto vários profissionais de saúde fugiram de seus locais de trabalho em busca de segurança.

A violência também fez com que um grande número de pessoas chegasse aos complexos hospitalares em busca de proteção, atrapalhando os serviços de saúde. Às vezes, como aconteceu em Kabo em julho, apenas o boato de um ataque é o suficiente para criar um movimento repentino de pessoas em pânico.

“Infelizmente, não é novidade que a violência afeta a assistência médica na RCA”, diz Gastineau. “É um problema estrutural em períodos de conflito. A multiplicidade de grupos armados e os combates ativos causaram uma situação muito ameaçadora, que afeta também áreas que antes eram consideradas relativamente estáveis e restringe ainda mais o acesso à saúde para uma população que já luta para obter o básico”.

MSF apela ao governo e a todas as partes no conflito para respeitarem a neutralidade das instalações de saúde e permitirem que as pessoas tenham acesso à assistência médica e humanitária.

“Agora, mais do que nunca, todas as partes no conflito devem reforçar o respeito ao direito internacional humanitário, incluindo a proteção de civis e instalações médicas, transporte e equipe”, disse Gastineau.

MSF trabalha na República Centro Africana desde 1997. Atualmente, a organização administra 13 projetos regulares – em Bangui, Bria, Bangassou, Bambari, Kabo, Batangafo, Paoua, Bossangoa e Carnot – e uma equipe móvel de emergência. Desde que o conflito se intensificou no final de 2020, MSF tem trabalhado para garantir a continuidade do atendimento em todos os seus programas e lançou projetos de emergência nas áreas afetadas pelo conflito em Boguila, Bossembélé, Bouar, Grimari, Mbaiki, Damara, Boali, Dékoa, Liton, Kouango e Ippy.

 

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