República Centro-Africana: sobreviventes relatam estupro em massa

A violência aconteceu no dia 17 de fevereiro, no entorno de Bossangoa, quando mulheres buscavam água e lavavam roupas. Homens armados as levaram como reféns e as estupraram

Um estupro em massa foi relatado na República Centro-Africana (RCA) depois que dez sobreviventes foram levadas ao hospital de Bossangoa e receberam atendimento médico de emergência pela equipe da organização médica internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF).

O grupo de mulheres chegou no dia 3 de março ao hospital de Bossangoa, no oeste do país. Segundo as mulheres, o ataque ocorreu no dia 17 de fevereiro, perto de Kiriwiri, um vilarejo a 56 km de Bossangoa.  

As mulheres disseram que estavam com um grupo maior na selva pegando água, lavando roupas e cuidando de suas colheitas, quando homens de um grupo armado local as levaram como reféns. Algumas mulheres conseguiram fugir, mas outras foram sequestradas e levadas para o acampamento do grupo armado. Os homens as estupraram várias vezes ao longo do dia antes de liberá-las.

Esse ataque representa outro exemplo de como a violência sexual contra as mulheres faz parte da violência extrema generalizada à população.   

Devido a uma combinação de fatores, incluindo o ambiente de segurança volátil, o medo de mais violência sexual e pressões culturais, as mulheres que conseguiram ter acesso a atendimento médico não saíram de seus vilarejos até o dia 2 de março. Outra organização de ajuda humanitária conseguiu enviar motocicletas para trazê-las até o hospital de Bossangoa, uma instalação onde MSF trabalha. A equipe médica de MSF ofereceu imediatamente os primeiros socorros seguidos de cuidados ginecológicos, vacinas contra tétano e hepatite e apoio psicossocial. Infelizmente, era tarde demais para que elas recebessem o tratamento vital que impede a transmissão de HIV, já que ele precisa ser administrado nas 72 horas após o estupro.

"As mulheres que atendemos estavam lidando com a situação de maneira diferente, mas todas estavam incrivelmente traumatizadas. Algumas estavam em choque total, enquanto outras ficaram paralisadas pelo medo, ou acharam muito difícil falar sobre o incidente. Algumas mulheres foram feridas por faca. Foi horrível testemunhar isso e desejo força a elas. Nossa equipe de maternidade as tratou com dignidade e paciência e forneceu um espaço seguro e confidencial para começar a processar o que aconteceu", diz Soulemane-Amoin, obstetriz de MSF responsável pelo hospital de Bossangoa.

De acordo com as sobreviventes, muitas outras vítimas desse ataque permaneceram em seus vilarejos e não vieram até Bossangoa devido ao estigma da violação, incluindo o medo de serem excluídas de suas comunidades caso identificadas como sobreviventes de abusos sexuais.

"Estamos chocados e entristecidos por esse estupro em massa e particularmente preocupados com isso. Como resultado, há muitas mulheres que ainda precisam de cuidados médicos urgentes. Esse ataque horrível destaca as realidades diárias vivenciadas pelas pessoas na República Centro-Africana e, em particular, pelas mulheres e as crianças que são as mais vulneráveis ao abuso", diz Paul Brockmann, chefe de missão de MSF na RCA. "Essa é uma das consequências da nova onda de violência indiscriminada que começou no final de 2016 e continua sem parar", acrescenta.

Com esse último ataque, aumenta para 56 o número total de sobreviventes de estupro e agressões sexuais tratados pela equipe de MSF em Bossangoa desde setembro de 2017. De janeiro a agosto de 2017, foram 13 casos. Esse aumento é reflexo da violência na área e da ampla implementação do programa de MSF sobre violência sexual.

MSF fornece cuidados médicos e assistência a sobreviventes de violência sexual em vários locais na RCA. As equipes de MSF no hospital SICA, em Bangui, trataram uma média por mês de 300 sobreviventes de estupro e agressão sexual em 2018, com sobreviventes provenientes da capital e de diferentes províncias. No hospital Castor Maternity, também em Bangui, a cada mês, cerca de 20 sobreviventes de violência sexual e de gênero foram tratados pelas equipes de MSF e outros 10 foram atendidos em Gbaya Dombia. No hospital comunitário de Bangui, que MSF apoia desde o final de dezembro, as equipes já trataram 147 sobreviventes de violência sexual e de gênero.

"O que é mais preocupante com esse número de casos de violência sexual que registramos é que o número real provavelmente é muito maior. Em alguns casos, nossas equipes relatam tratar pessoas que foram estupradas anos atrás, mas não tiveram acesso a serviços médicos até recentemente", adverte Paul Brockmann.

"Se nada mais for feito, ainda mais com o crescimento do conflito que diminui o número de provedores de cuidados de saúde e destrói a infraestrutura, realmente nos preocuparemos com o fato de os sobreviventes continuarem sofrendo em silêncio as graves consequências do estupro à medida que o número de ataques aumenta", acrescentou Brockmann.
 

Compartilhar