República Democrática do Congo: Desabrigados em Katanga lutam para sobreviver

Cerca de 20 mil pessoas enfrentam condições precárias de vida nos acampamentos provisórios. Médicos Sem Fronteiras continua a oferecer assistência emergencial

Enquanto as eleições históricas atraíam todas as atenções na República Democrática do Congo, cerca de 20 mil desabrigados lutavam para sobreviver nos acampamentos provisórios e em vilarejos nos arredores de Mitwaba, na província oeste de Katanga. MSF continua a oferecer assistência emergencial aos moradores locais e aos deslocados internos.

Tina* chegou ao centro de saúde MSF em Mitwab no início da tarde. Suas roupas estão sujas e rasgadas. Sua pele está coberta por uma película de poeira branca. Tina tem um olhar vazio. Seu filho está em seus braços. Ele tem quatro anos, mas pesa apenas 5,6 quilos. Com edemas em seus pés e cabelos e pele descolorados, ele têm sinais óbvios de grave desnutrição.

Tina andou cerca de 200 quilômetros antes de sair da mata para procurar refúgio em Mitwaba. Há vários meses, integrantes da milícia Mai Mai atacaram o vilarejo Muvule, no qual ela morava com o marido e o filho. Os homens armados forçaram os moradores do vilarejo a seguir eles para servir de "escudo humano" contra o Exército do Congo. Doente e exausto devido à longa jornada pela mata, o marido de Tina morreu.

Tina e seu filho são o que o jargão internacional define como "deslocados internos". Nós últimos dois anos, cerca de 150 mil deles deixaram os locais de conflito entre o Exército regular do Congo e a milícia Mai Mai e fugiram das extorsões cometidas por ambas as partes. A violência provocou dezenas de ondas de deslocamentos no Triângulo Mitwaba/Upembe/Manono, tristemente conhecido como triângulo da morte.

Equipes MSF têm oferecido assistência humanitária em diversos locais onde as populações deslocadas se aglomeraram, incluindo áreas de Mitwaba, Dubie, Upemba, e Pweto.

Oito mil consultas por mês

Desde outubro de 2004, MSF administra programas de ajuda médica nos vilarejos de Mitwaba e Sampwe (Katanga central). Cerca de 20 mil deslocados procuraram refúgio nos acampamentos temporários ou nos vilarejos vizinhos, onde eles levam uma vida dura.

Os programas MSF são feitos não apenas para os deslocados, mas também para populações locais, que também vivem em condições de pobreza extremas.

No vilarejo Mitwaba, MSF administra um posto de saúde localizado na entrada do acampamento Makanda. No vilarejo de Kasungeshi, mais ao sul, MSF também administra um posto de saúde, além de três estruturas de saúde adicionais na zona sanitária de Mufunga Sampwe. O serviço oferecido é gratuito.

"Realizando mais de oito mil consultas por mês, tratamos em grande parte de infecções respiratórias, diarréias e verminoses. Essas doenças estão diretamente relacionadas com a precária condição de vida", explicou Ann-Sophie Iuel Brockdorff, coordenadora médica de MSF na região. "Muitos pacientes também são tratados com malária ou doenças sexualmente transmitidas".

No centro de referência de saúde em Mitwab, várias intervenções cirúrgicas, incluindo um número significativo de cesáreas, são realizados todos os meses.

Para melhorar o acesso à água potável e às condições de higiene nos acampamentos superlotados, onde vivem as populações de deslocados internos, equipes de MSF especializadas em água e saneamento reabilitaram cinco fonte de água e construíram dois poços. Um projeto para a construção de latrinas foi posto em ação, com base no envolvimento ativo da população de deslocados. Ao todo, cerca de 200 latrinas foram construídas nos acampamentos de Mitwaba e em seus arredores.

Além disso, 50 trabalhadores da comunidade alertaram os deslocados e as populações locais sobre a importância de práticas de higiene básica e informaram-no sobre os serviços oferecidos por MSF.

"Recomeçar a viver"

A cada manhã no centro de Mitwaba, as prateleiras do pequeno mercado ficam mais vazias. A comida está se tornando escassa e os preços estão subindo. Não tendo acesso aos campos por muito tempo e vendo seu estoque roubado, as populações deslocadas de Katanga dependem agora inteiramente da ajuda externa. Ainda assim, a distribuição mais recente de meias-rações de comida pelo Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês) foi realizada em junho e nenhuma outra distribuição foi anunciada.

"Todos os dias, as pessoas vêm até nós para reclamar abertamente da fome", explicou Meinie Nicolai, diretor de operações de MSF. "Eles contam aos nossos médicos nos ambulatórios e a nossos agentes de saúde nos acampamentos que eles não comeram por dois ou três dias".

Com a rendição dos chefes Mai Mai e o desarmamento de vários integrantes de milícias nos últimos meses, a segurança aumentou nas áreas próximas a Mitwaba e Sampwe. Alguns homens estão agora retornando ocasionalmente a seus campos para preparar a próxima colheita e trazer alguma comida para suas famílias.

"Aqui, é difícil encontrar algo para comer. Então nós vamos para nossos campos antigos para pegar algumas raízes, o que restou, para alimentar nossas famílias", contou um homem que chegou em março de 2005 no acampamento de Kananda, em Mitwab. "Mas seria melhor voltar para casa, cultivar e dar um novo começo à vida".

No entanto, a maioria das vilas está em ruínas. As cabanas foram incendiadas e saqueadas; as escolas e as estruturas de saúde foram destruídas. A maior parte do tempo, apenas a igreja foi poupada.

"Nós vemos uma crise humanitária, com uma população que perdeu tudo literalmente", contou Nicolai. "As eleições e o desenvolvimento de programas de ajuda não podem nos fazer esquecer da enorme e urgente necessidade enfrentada agora pela população de Katanga".

No dia 30 de julho, um grande número de deslocados em Mitwaba votou para escolher o presidente e o Parlamento do Congo. Mas por trás desse momento histórico, Tina e os 150 mil deslocados de Katanga sabem que vão ter que reconstruir suas vidas inteiras.

* O verdadeiro nome foi trocado para garantir a segurança

MSF trabalha na República Democrática do Congo desde 1981. Atualmente, as equipes MSF estão administrando programas em Kinshasa e também nas províncias de Kivu do Norte, Kivu do Sul, Orientale e Katanga e respondem a emergências que ocorrem em todo o território.

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