Sarampo na RDC: a luta contra uma das doenças mais contagiosas do mundo

Saiba quais são os desafios para conter os surtos de sarampo na República Democrática do Congo.

Pacom Bagula/MSF

A cada dois ou três anos, os surtos de sarampo afetam dezenas ou mesmo centenas de milhares de crianças na República Democrática do Congo (RDC). O ano de 2022 não foi exceção, com mais de 148.600 casos e 1.800 mortes reportadas[1]. Como essa emergência recorrente pode ser explicada? E, acima de tudo, como podemos pôr um fim a ela?

Quando se fala de uma emergência na RDC, o problema do sarampo raramente é a primeira imagem que vem à mente. No entanto, essa doença regularmente atinge crianças pequenas, as principais vítimas do sarampo, e tem sido o principal motivo da atuação das equipes de emergência de Médicos Sem Fronteiras (MSF) no país durante anos.

 

“Temos cinco equipes de emergência mobilizadas quase 24 horas por dia para responder aos vários surtos de sarampo em todo o país. Mas assim que apagamos um incêndio, outro se acende.”

– Louis Massing, médico de referência de MSF na República Democrática do Congo.

 

“Em 2022, realizamos 45 atuações de emergência relacionadas ao sarampo; isso é mais de três quartos da nossa resposta de emergência na RDC”, diz Louis Massing, médico de referência de MSF na RDC.

A maior epidemia de sarampo já documentada na RDC ocorreu entre 2018 e 2020. Na época, quase 460 mil crianças contraíram a doença e cerca de oito mil delas morreram. Campanhas de vacinação em larga escala haviam sido organizadas pelas autoridades de saúde e apoiadas por parceiros internacionais como MSF, permitindo que o número de casos fosse drasticamente reduzido até 2021.

“Mas no ano passado, quase metade das zonas de saúde do país estavam novamente em situação epidêmica”, lamenta Massing. “E ainda não acabou. Somente em janeiro de 2023, cerca de 20 mil casos suspeitos de sarampo foram notificados na RDC e nossas equipes já responderam aos surtos da doença nas províncias de Tshopo, Maniema, Kivu Sul, Kivu Norte, Lomami e Lualaba”.

Pacom Bagula/MSF

“Não pode haver elos fracos”

O sarampo é uma das doenças mais contagiosas do mundo. Felizmente, existe uma vacina que oferece proteção quase completa quando uma pessoa recebe duas doses. Como uma pessoa portadora do vírus pode infectar até 90% das pessoas não vacinadas ao seu redor, é vital garantir uma ampla cobertura vacinal. Isso requer investimentos maciços em imunização de rotina, vigilância e campanhas de recuperação.

“A luta contra o sarampo é como uma corrente em torno do vírus: se um elo for quebrado, o vírus pode escapar.”

– Louis Massing, médico de referência de MSF na República Democrática do Congo.

“Em primeiro lugar, o país deve garantir que quantidades suficientes de vacinas estejam disponíveis para evitar a escassez de estoque nas instalações de saúde. Depois, é necessário garantir que as vacinas sejam entregues nas instalações e que elas tenham uma cadeia de refrigeração eficiente para manter as vacinas armazenadas em boas condições”, afirma Massing.

“Também é necessário ter profissionais no local para vacinar as crianças durante as consultas e para que as famílias tenham os meios econômicos e físicos para ir até lá. Por fim, devem ser organizadas campanhas regulares de recuperação para proteger as crianças que não se vacinaram… Dada a capacidade do sarampo de produzir efeitos graves ou fatais, não pode haver elos fracos“, completa.

Infelizmente, muitos elementos dessa cadeia são frágeis na RDC, e a situação é agravada por restrições de segurança, desafios geográficos para alcançar muitas áreas e a alta taxa de natalidade do país, com mais de 2 milhões de bebês nascidos a cada ano que precisam ser protegidos contra a doença.

Como resultado, apesar das campanhas de emergência realizadas durante cada surto, a cobertura vacinal continua sendo insuficiente. Embora as estimativas de cobertura possam variar muito de uma fonte para outra, as últimas estimativas da UNICEF e da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que, em 2021, apenas 55% das crianças receberam pelo menos uma dose da vacina contra o sarampo[2] no país. No entanto, é recomendada uma cobertura mínima de 95% com duas doses para evitar a disseminação da doença.

“Algumas áreas só podem ser alcançadas por canoas ou a pé através da floresta”, diz Alexis Mpesha, gerente de logística de uma das equipes de emergência de MSF na RDC. “Não é raro que nossas equipes sejam as únicas a chegar a determinadas vilas, porque as autoridades de saúde locais não têm equipamentos, combustível ou recursos humanos suficientes para chegar”.

Para os pais que desejam que seus filhos sejam vacinados, a distância até um centro de saúde em funcionamento, os custos de transporte e, às vezes, as taxas de consulta podem ser desencorajadores. “Os cuidados são caros e nossos recursos são limitados”, diz Anne Epalu, moradora de Bangabola, onde MSF respondeu a um surto de sarampo em 2022. “Algumas crianças morrem só porque seus pais não têm dinheiro para pagar pelo tratamento”.

Materiais para vacinação são transportados para Lisombo. A viagem dura cerca de 14 horas em uma embarcação a remo. Foto: Pacom Bagula/MSF

 

O reforço da imunização é urgentemente necessário

Em 2022, equipes de emergência de MSF na RDC vacinaram mais de 2 milhões de crianças em 14 províncias e trataram mais de 37 mil pacientes com sarampo. As equipes de MSF se mobilizam em apoio ao Ministério da Saúde para organizar campanhas de vacinação e estabelecer unidades de tratamento quando um rápido aumento de casos de sarampo é relatado em uma área e a capacidade de resposta local é limitada ou o acesso é difícil.

Além de intervenções de emergência durante surtos, MSF também fornece apoio logístico para atividades de imunização de rotina em instalações de saúde em várias províncias onde nossas equipes estão presentes durante todo o ano.

No entanto, são necessários mais esforços e investimentos das autoridades de saúde e de seus parceiros para aumentar a cobertura de imunização na RDC e deter o ciclo recorrente de epidemias.

“A implementação da segunda dose nas atividades de imunização de rotina contra o sarampo precisa ser acelerada.”

– Louis Massing, médico de referência de MSF na República Democrática do Congo.

“Essa abordagem foi recentemente adotada pelas autoridades e pode fazer uma verdadeira diferença”, diz Louis Massing. “Oferecer atividades sistemáticas de vacinação durante consultas pediátricas nas unidades de saúde também poderia ajudar a aumentar significativamente a cobertura da imunização na RDC”.

Dada a persistência de surtos no país, que colocam mais crianças em risco a cada dia, é essencial organizar o quanto antes as campanhas de vacinação em massa que estão planejadas desde o final de 2022 em toda a RDC.

Enquanto isso, nossas equipes estão empenhadas em continuar respondendo aos surtos de sarampo em apoio às autoridades de saúde da melhor forma possível. Mas para fazer isso, é essencial que estoques de vacinas suficientes estejam disponíveis no país”, explica Louis Massing.

Pacom Bagula/MSF

 

[1] https://reliefweb.int/report/democratic-republic-congo/situation-epidemiologique-de-la-rougeole-en-rdc-mise-jour-du-07022023

[2] República Democrática do Congo: Estimativas da OMS e da UNICEF sobre a cobertura de imunização: revisão de 2021, https://data.unicef.org/wp-content/uploads/2022/07/cod.pdf

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