“Sei que o apoio que oferecemos faz uma diferença real”

Angela Kamarah, conselheira de saúde e educadora em Serra Leoa, conta em Histórias de MSF como ajuda pacientes a encontrarem esperança e cura em tempos difíceis

Centro médico em Kenema, na província oriental de Serra Leoa, fornece serviços de maternidade e pediatria, no Hospital Hangha, de MSF. ©Saidu Bah/MSF

“Mary* é uma menina de 3 anos de idade que chegou ao hospital de MSF com queimaduras graves. A avó, que a trouxe, conta que a criança caiu em um balde de água quente. As queimaduras cobrem s braços, tórax e parte da cabeça. A primeira vez que a vejo, ela está chorando de dor enquanto seus curativos são trocados, com seu pequeno corpo tenso de medo.

Como conselheira de saúde e educadora, sei que é neste momento que começa o meu trabalho. Meu papel é apoiar os pacientes em alguns de seus momentos mais difíceis, e pude ver que Mary precisaria de cuidados médicos e emocionais para se recuperar.

Meu foco não estava apenas na dor física, mas também no medo e no trauma que essa experiência havia causado na menina.

Decido apresentar a ela a ludoterapia [um método que compreende atividades lúdicas e terapêuticas], que costumamos usar para ajudar as crianças a lidar e se curar durante a estadia conosco.

 

Os sorrisos nos rostos dos pacientes, o alívio em seus olhos – esses são os momentos que me impulsionam.”

– Angela Kamarah, conselheira de saúde e educadora de MSF em Serra Leoa

 

No início, Mary teve medo de se mexer. Ela tinha muito receio de usar as partes do corpo que estavam queimadas. Eu me sentei com ela, encorajando-a e, gentilmente, guiando-a em pequenos exercícios.

Primeiro, ajudei a levantar as mãos e esticar os braços. Jogamos uma pequena bola para frente e para trás, construindo confiança lentamente. Trouxe algumas crianças, torcendo para que suas risadas e atividades atraíssem Mary. Ensinei músicas simples e fiz com que ela se envolvesse em brincadeiras em grupo.

A alegria no rosto dela quando começou a se mover sem medo foi algo impressionante. A avó da menina começou a participar também, cantando junto e brincando com Mary, fortalecendo o vínculo entre avó e neta.

 

 

Esses momentos me lembram por que amo meu trabalho. Trabalho em MSF há cinco anos. Comecei como segurança, em 2019. Como tenho diploma em Saúde Comunitária, depois de seis meses, me tornei promotora de saúde. Logo percebi que queria fazer mais.

Minha empatia pelos pacientes que conheci me levou a me tornar uma conselheira de saúde e educadora. Agora, todos os dias são preenchidos com momentos como este, em que vejo pacientes e familiares encontrando esperança aos poucos em situações que parecem impossíveis.

Eu realmente amo meus pacientes. Trabalho duro para construir um relacionamento com eles. Então, quando eles se acostumam comigo, nós voamos juntos.

 

Paciência e compreensão

Kenema, na província oriental de Serra Leoa onde trabalho, é um lugar com altos índices de mortalidade materno-infantil. Mas conseguimos causar um impacto real aqui, reduzindo a mortalidade materna por meio de iniciativas de saúde, incluindo os serviços de maternidade e pediatria que oferecemos.

Nosso hospital pediátrico, especialmente o centro de nutrição terapêutica intensiva, concentra-se em crianças menores de 5 anos de idade, proporcionando a elas tratamento médico e programas terapêuticos. Lidamos com crianças com desnutrição, que sofrem de pneumonia, diarreia e outras doenças.

Mas não é só o lado médico que importa. Minha equipe e eu prestamos apoio psicossocial aos pacientes diariamente.

Um dos maiores desafios que enfrentamos é o que chamamos de ‘não conformidade’: como alguns pacientes têm crenças tradicionais sobre medicina e saúde, às vezes, não querem seguir os conselhos médicos. É preciso muita paciência e compreensão para ajudá-los a enxergar a importância dos tratamentos que oferecemos.

 

Sei que o apoio que oferecemos faz uma diferença real e tenho orgulho de fazer parte de MSF.”

– Angela Kamarah, conselheira de saúde e educadora de MSF em Serra Leoa

 

À medida que a estadia de Mary conosco se estendeu por semanas, eu a vi se transformar. A ludoterapia fortaleceu os músculos dela, e sua confiança cresceu a cada jogo e atividade. Após 11 semanas, ela estava curada e pronta para ir para casa. Foi um dia emocionante para todos nós.

Chamamos Mary de nossa pequena heroína e demos a ela uma mochila escolar e alguns suprimentos para ajudá-la no retorno às aulas. Sua avó nos liga com frequência, contando como Mary está bem e sente falta dos amigos que fez no hospital.

Essas histórias de sucesso são o que me fazem continuar, mesmo quando o trabalho é árduo e os dias são longos.

Depois de um dia difícil, encontro minhas próprias maneiras de lidar com os desafios: faço exercícios, medito e ouço música local. Iniciamos um pequeno projeto dentro do hospital, em que as pessoas podem doar roupas para fornecermos aos pacientes que chegam despreparados para longas estadias.

No final das contas, sinto-me com muita sorte por fazer parte desse trabalho. Os sorrisos nos rostos dos pacientes, o alívio em seus olhos – esses são os momentos que me impulsionam.

Tantas pessoas de coração partido conseguiram suportar e seguir em frente por causa do trabalho realizado aqui. Sei que o apoio que oferecemos faz uma diferença real e tenho orgulho de fazer parte de MSF, ajudando pessoas como Mary e sua avó a encontrar esperança e cura.”

*Nome alterado

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