Síria: casos de COVID-19 crescem no noroeste do país

Efeitos econômicos da pandemia são enormes no campo de Abu Dali, onde vivem 16 mil migrantes

Síria: casos de COVID-19 crescem no noroeste do país

Como o número dos casos de COVID-19 no noroeste da Síria tem aumentado constantemente desde julho, as autoridades locais impuseram um bloqueio limitado no dia 6 de novembro, por uma semana, para ajudar a desacelerar a transmissão do vírus.

Até 4 de novembro, eram 7.059 os casos de COVID-19 no campo de deslocados de Abu Dali. O dia 3 foi o que registrou o maior número de casos até agora, com 524 em um único dia.

Muitos dos 16 mil residentes em Abu Dali vivem com suas famílias em barracas lotadas, algumas de até seis metros quadrados. Os cuidados de saúde são fornecidos por MSF, cujas equipes trabalham em vários campos para deslocados no noroeste da Síria. Mais de 2 milhões de pessoas foram deslocadas de suas casas nos últimos anos e vivem na província de Idlib. Desde abril, MSF distribui kits de higiene para famílias deslocadas em toda a região.

Agora, com o bloqueio planejado, todos os locais onde as pessoas se aglomeram, como mercados públicos, universidades e escolas, estão fechados, mas pequenos mercados, farmácias e clínicas locais permanecem abertos.

A história de Kamal, 25 anos de idade

Nos campos de refugiados, as pessoas têm que se adaptar à nova situação, embora enfrentem uma crise econômica e os combates não tenham parado. “Com o coronavírus, sei que sair de casa é arriscado, mas não tenho escolha”, afirma Kamal Adwan. “Por mais assustador que seja o vírus, não posso deixar minha família sem comida.”

Para Kamal – o único com condições de trabalhar em uma família de 15 pessoas – os efeitos econômicos da pandemia são tão fatais como a própria pandemia. Antes da COVID-19 e das restrições impostas para combatê-la, Kamal costumava encontrar trabalho nos canteiros de obras, embora nunca tenha tido um emprego estável.

Hoje, Kamal mora com seus pais e 12 outros membros da família em duas barracas no acampamento de Abu Dali. Eles fugiram de sua cidade natal, na província rural de Hama, em fevereiro de 2019, depois que ela sofreu um forte bombardeio.

“Quando ouvimos falar do coronavírus pela primeira vez, pensamos que era um boato, ou nada mais do que uma gripe sazonal”, comenta Kamal. “Agora, eu sei que esse vírus não é brincadeira e está me afetando diretamente.”

Nos campos superlotados, o risco de transmissão de COVID-19 é alto e o autoisolamento é praticamente impossível. Lavar as mãos regularmente também é difícil, pois muitas pessoas dependem da água coletada em tanques compartilhados.

“Minha principal preocupação é ficar o mais longe possível de qualquer pessoa com suspeita de COVID-19”, informa Kamal. “O acampamento está superlotado e se esconder do vírus tem sido um desafio”.

A história de Umm Firas, 39 anos de idade

Umm Firas compartilha da situação de Kamal. Ela sustenta sua família, depois que o marido foi gravemente ferido em um ataque aéreo contra a casa em que moravam, há mais de um ano, que o deixou paralisado e incapaz de trabalhar.

Apenas alguns meses atrás, Umm Firas apoiou seu marido e seus nove filhos reformando as tendas das pessoas dentro do acampamento e remendando colchões e lençóis. Agora, ela precisa equilibrar a necessidade de renda da família e os riscos de sair para trabalhar.
“Parei de sair da minha tenda para proteger minha família. Mas, às vezes, sou obrigada a ir procurar trabalho. Estou sempre com medo de pegar o vírus e espalhar para meus filhos. Mas o que mais posso fazer?”

Dos nove filhos, apenas três filhas costumavam ir ao colégio. Escolas em todo o noroeste da Síria tiveram que tomar medidas para reduzir os riscos de transmissão: os alunos têm de usar máscaras, que podem ser compradas em farmácias locais por uma lira turca (70 centavos de real), mas isso está fora do alcance de muitos pais.

“A professora costumava pedir às minhas filhas para colocarem máscaras, mas o que você espera que elas digam?” diz Umm Firas. “Nunca comprei uma máscara – mal consigo comprar pão. Quando tenho escolha, sempre procuro pão.”

Incapazes de comprar máscaras, alguns pais pararam de mandar seus filhos à escola. Em algumas delas, os professores estavam tentando encontrar soluções alternativas, como permitir que os alunos usassem pedaços de pano velho para cobrir o rosto.

A história de Umm Ahmed, 40 anos de idade

Umm Ahmed também tem dificuldade em lidar com a situação. Originária de Qalaat Al-Madiq, na província de Hama, fugiu de sua casa com o marido e sete filhos em 2012 e encontrou refúgio em Qah, na província de Idlib, por dois anos. Em 2014, eles se mudaram de Qah para Deir Hassan, onde moram desde então. Todos vivem em uma barraca de um cômodo, incluindo o marido, que está acamado e não pode trabalhar.
Umm Ahmed era o único sustento da família. Trabalhava como assistente de higiene em um dos hospitais no distrito de Ad-Dana, mas foi forçada a parar quando sofreu de insuficiência renal alguns meses atrás.

O acampamento onde Umm Ahmed mora abriga cerca de 50 famílias e todas compartilham uma única caixa d’água e três blocos de banheiros. “É impossível lavar as mãos regularmente no acampamento sem se colocar em risco”, avalia ela.

À medida que a situação econômica da família piora, ela tem cada vez mais dificuldade em comprar sabão e detergentes para proteger a si e sua família da COVID-19. Recentemente, recebeu de MSF um kit de higiene, contendo sabonete, detergente e baldes.

“Ainda há coisas que podemos fazer para evitar a infecção”, pondera Umm Ahmed. “Eu parei de sair tanto quanto posso e evito estar perto de outras pessoas. Isso mantém a mim e minha família mais seguros. Mas não posso proibir meus filhos de brincar fora de casa com as outras crianças. Eles são jovens, precisam brincar e nossa barraca é muito pequena. Eu entendo que é um risco. Mas como posso impedi-los?”

Apenas nove hospitais contra COVID-19 para 4 milhões de pessoas

“No início de outubro, mercados, mesquitas e escolas ficaram fechados por alguns dias, mas foram abertos novamente logo depois”, diz Hassan, gerente de logística de MSF. “Muitas pessoas dependem dos mercados para ganhar a vida, então não podem se dar ao luxo de ficar fora do mercado por um longo período.”

Após anos de conflito, o sistema de saúde no noroeste da Síria também enfrenta desafios para lidar com o surto de COVID-19. Existem apenas nove hospitais dedicados contra a doença para uma população de cerca de quatro milhões de pessoas, além de 36 centros de isolamento e tratamento que fornecem cuidados básicos para pacientes com sintomas leves.

“A província de Idlib se tornou uma enorme prisão: as pessoas não podem se mover para o sul ou para o norte e estão presas aqui no meio”, informa Hassan. “Elas acham que o vírus vai chegar até elas e suas famílias em algum momento. Só esperam que não chegue a todos de uma vez. O sistema de saúde simplesmente não consegue tratar muitos pacientes com COVID-19 de uma só vez.”

 

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