Síria: chegadas diárias ao campo de Ain Issa

Famílias chegam todos os dias a campo de deslocados internos no norte do país

Síria: chegadas diárias ao campo de Ain Issa

Localizado no nordeste da Síria, o campo de Ain Issa está na encruzilhada entre pessoas que fogem da violência e áreas controladas pelo grupo autoproclamado Estado Islâmico (EI). Atualmente, cerca de 8 mil pessoas estão vivendo no campo. “Há pessoas novas chegando todos os dias”, observa Arnaud Flabet, coordenador de emergências da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF). “Contudo, a quantidade total de pessoas que vive no campo ainda é estável, já que alguns só estão aqui de passagem”.

Pessoas deslocadas chegam da área de Deir ez-Zor, cidade controlada pelo EI que o governo sírio está tentando recuperar, e de Raqqa, outro reduto do EI. Foi nesse local que as Forças Democráticas Sírias (FDS) – aliança entre soldados curdos e árabes – realizaram um ataque em junho. Hoje, as FDS rondam a região.

Enquanto a coalizão internacional que apoia as FDS intensifica seus ataques aéreos sobre Raqqa, apenas metade das 1.250 pessoas que chegaram ao campo de Ain Issa entre 10 e 24 de agosto vieram dessa cidade. “Em maio, 90% das pessoas deslocadas vinham de Raqqa e seus arredores”, explica Arnaud. “Em julho e no início de agosto, porém, elas estavam chegando principalmente da área de Deir Ezzor”. Ainda que o número de novas chegadas tenha aumentado desde meados de agosto, ele ainda é escasso. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), 25 mil civis ainda podem estar sob cerco na região sitiada.

“Estamos preocupados porque não temos nenhuma informação sobre o que está acontecendo dentro de Raqqa”, explica Arnaud Fablet. “Para nós, a questão mais importante é o bem-estar dos feridos. Apesar dos ataques aéreos diários, recebemos apenas uma pessoa ferida de Raqqa no nosso hospital em Kobane/Ain Al Arab nas últimas três semanas”.

No campo de Ain Issa, as pessoas que fugiram do confronto estão, em alguns casos, apenas de passagem. Na verdade, aqueles que chegam de Deir Ezzor geralmente continuam seu trajeto até a Turquia, onde esperam encontrar abrigo. Também estão de passagem pelo campo refugiados do Iraque que saíram há algumas semanas de Tal Afar, cidade controlada pelo EI do outro lado da fronteira iraquiana, e que estão tentando entrar novamente em seu país pela fronteira com a Turquia.

Porém, estando no campo de passagem ou para se estabelecer ali, todos devem se registrar e passar por uma checagem de segurança quando chegam. Próximo ao centro de registros, uma equipe de MSF está disponível para oferecer cuidados primários, que consistem em examinar crianças para identificar casos de desnutrição, distribuir fórmula infantil para bebês quando necessário, fornecer kits de higiene e vacinar crianças com menos de 5 anos de idade.

Dentro do campo, MSF fornece água com caminhões-pipa em cooperação com outra ONG e, recentemente, perfurou um poço no local. MSF também mantém um ambulatório no qual a equipe oferece consultas médicas e encaminha pacientes que precisam ser hospitalizados para Kobane ou para o hospital de Tal Abyad. Entre os pacientes de Ain Issa, poucas pessoas sofrem de desnutrição. As principais patologias vistas são diarreia, doenças de pele e dores somáticas, que estão ligadas às condições de vida dentro do campo. A situação realmente é muito extrema: as temperaturas chegam aos 45°C e o ar está frequentemente carregado de uma poeira densa. Pessoas deslocadas que vivem ali estão apenas esperando pelo fim da guerra de Raqqa para poderem voltar para casa.

Após seis anos de guerra, movimentos populacionais continuam acontecendo no norte da Síria, onde outras equipes de MSF oferecem cuidados médicos nas regiões de Manbij, Tal Abyad, Hazeema e Al-Hasakah. Esse apoio é indispensável, visto que o conflito prejudicou profundamente o sistema de saúde da Síria. Isso significa que muitas crianças não puderam ser vacinadas. Em Ain Issa, MSF oferece vacinação de rotina e planeja organizar uma campanha de vacinação de grande alcance contra o sarampo.

A seguir, contamos a história de Mohamed, jovem que foi deslocado pela violência de Raqqa

Desde que Mohamed começou a trabalhar com Médicos Sem Fronteiras (MSF), ele está falando inglês novamente. Ele era professor de inglês em Raqqa, após ter estudado na Universidade de Homs. Contudo, foi forçado a parar de trabalhar quando o grupo autoproclamado Estado Islâmico (EI), que havia tomado o controle dessa cidade em 2014, fechou a escola em que ele trabalhava. Isso foi há mais de dois anos, quando ele tinha 26 anos de idade. Na época, ele tentou a sorte em um vilarejo próximo, onde abriu uma lan house com o primo. “Instalamos placas de satélite e todo o equipamento necessário para conexões de WiFi”, explica. Porém, o EI ganhou território e assumiu o controle desse vilarejo também. A lan house teve de ser fechada.

Hoje, Mohamed vive no campo de Ain Issa com seus pais, que fugiram de Raqqa pouco tempo depois dele. No entanto, ele não consegue ir a outras cidades da região, como Kobane, Menbij ou Tal Abyad… “Para se deslocar, você precisa de autorização”, explica . “E, para consegui-la, é necessário conhecer alguém nessas cidades que possa responder por você”.

Outras pessoas deslocadas estão vivendo do lado de fora do campo, na casa de parentes em vilarejos próximos ou alugando acomodações, se tiverem dinheiro para isso. Porém, a maioria delas deseja voltar para casa, da mesma forma que os habitantes de Tabqa puderam fazer após encontrarem refúgio no campo de Ain Issa até que o controle de sua cidade fosse retomado pelas FDS no último mês de maio.

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