“Só o fato de ter forças para sentar é graças ao tratamento”: uma história de recuperação da tuberculose

Com o apoio de MSF e da equipe do Hospital Central de Beira, Raul Carlos foi diagnosticado com a forma resistente da doença e pôde receber os cuidados adequados

Raul Carlos, paciente em tratamento para a infecção por HIV e para tuberculose multirresistente a medicamentos no hospital apoiado por MSF em Beira, Moçambique. © Marília Gurgel/MSF

Após várias hospitalizações e altas, Raul Carlos foi novamente internado no Hospital Central de Beira (HCB), em Moçambique, desta vez em estado crítico, em dezembro de 2024. “Ele aderiu bem ao tratamento da tuberculose (TB). Foi hospitalizado, passou pela terapia e concluiu o processo. Mesmo assim, não melhorou”, explicou Paulo José, clínico-geral do hospital.

A tuberculose pulmonar é uma das principais doenças que Paulo trata na emergência desta unidade de saúde, seguida pela tuberculose em outras partes do corpo e infecções oportunistas, como pneumonia, meningite e sepse.

Diagnosticar e tratar a TB corretamente são medidas essenciais para garantir que os pacientes se recuperem e sobrevivam, além de evitar a propagação da doença.

No entanto, alguns pacientes contraem tuberculose resistente a medicamentos, que é muito mais difícil de tratar. Os médicos precisam identificar e prescrever o tratamento adequado para o tipo específico de TB resistente que o paciente apresenta.

 

“Sem esperança”

Raul chegou ao hospital com um diagnóstico avançado de HIV e “sem muita esperança”, segundo Lina Balane, médica de Médicos Sem Fronteiras (MSF) que trabalha em Beira há seis anos com foco no HIV avançado. “Raul realmente nos comoveu”, disse ela. “Ele tem um irmão idêntico, eles se chamam de gêmeos, e o irmão sempre vinha até nós, implorando: ‘Doutora, por favor, faça algo. Não suporto vê-lo assim’.”

Agora, conseguindo se sentar e falar, Raul descreveu sua experiência: “Houve momentos em que precisavam me dar banho, momentos em que eu não conseguia fazer nada. Não conseguia me mexer. Me senti muito mal quando a doença começou. Depois, piorei. Cheguei aqui carregado. Eles foram trocando [a medicação] com os médicos a cada vez para tentar encontrar o tratamento certo, mas sempre tive o mesmo problema; eu ia para casa e voltava com a mesma condição.”

Os médicos buscaram respostas. “Como fazemos com todos os nossos pacientes, começamos a investigar o que estava acontecendo com ele. Descobrimos que sofria de efeitos colaterais graves da medicação, mas também, esses medicamentos não estavam funcionando porque ele tinha tuberculose resistente a medicamentos. Foi difícil diagnosticar”, lembra Balane.

Profissionais de MSF e do Ministério da Saúde local durante avaliação do quadro clínico de Raul. © Marília Gurgel/MSF

 

Em busca do tratamento adequado

Em Moçambique, a introdução do tratamento de segunda linha para tuberculose resistente a medicamentos (TB-DR) segue protocolos nacionais padronizados e a experiência dos profissionais de saúde.

Embora os procedimentos específicos possam variar, em muitos países, os casos de TB multirresistente (TB-MDR) são analisados por comitês especializados ou painéis de especialistas para garantir que os planos de tratamento adequados sejam desenvolvidos. Esses comitês avaliam os resultados dos exames, como testes de sensibilidade a medicamentos, e consideram fatores individuais dos pacientes antes de aprovar a introdução das terapias de segunda linha.

Essa abordagem colaborativa ajuda a otimizar os resultados do tratamento e a gerenciar os riscos associados aos casos complexos de TB.

As equipes de Balane e José trabalharam juntas para preparar uma apresentação detalhada do caso para o comitê especializado em TB. Isso envolveu a coleta dos resultados dos exames de Raul, incluindo testes de sensibilidade a medicamentos, histórico clínico e opções de tratamento, garantindo uma análise completa.

Assim que o comitê avaliou o caso e aprovou o tratamento, Raul foi rapidamente incluído no regime de segunda linha, marcando um passo crucial no tratamento de sua tuberculose resistente a medicamentos.

Paulo José e Lina Balane, médicos que lideraram a equipe que tratou Raul Paulo no Hospital Central de Beira, apoiado por MSF. © Marília Gurgel/MSF

 

“Agora posso fazer o que não conseguia antes”

“Desta vez, descobrimos o problema. Eles continuaram buscando o medicamento certo, incentivaram os outros médicos a continuarem procurando o tratamento correto. É essa medicação que estou tomando agora”, contou Raul. “Agora posso fazer o que não conseguia antes. Sentar sozinho. Caminhar um pouco. Houve uma melhora. Só o fato de eu ter forças para sentar e estar aqui dando esta entrevista é graças ao tratamento.”

A rápida melhora de Raul foi “como mágica” para seus médicos.

“Tivemos que fazer muita defesa para conseguir os medicamentos certos para a tuberculose resistente e finalmente começar a tratá-lo. No dia seguinte, Raul parecia uma pessoa diferente. Assim que conseguimos dar a ele o medicamento de que realmente precisava, ele começou a recuperar a consciência. Recuperou forças e o apetite. Começou a se comunicar. Conseguiu se sentar sozinho e dar alguns passos. Começou a melhorar”, disse Balane.

 

Trabalho de Médicos Sem Fronteiras em Beira

MSF está presente em Beira desde 2014, fornecendo cuidados de saúde sexual e reprodutiva, incluindo testes e tratamento para a infecção por HIV a grupos vulneráveis e estigmatizados, como profissionais do sexo e jovens em situação de risco. MSF também oferece serviços de saúde sexual e reprodutiva e tratamento para pacientes com HIV avançado em centros de saúde locais e no Hospital Central de Beira.

 

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