Sobreviventes de ataque na RDC falam sobre violência

Na República Democrática do Congo, milhares de pessoas vivem nas florestas com pouca comida e sem assistência de saúde para fugir dos grupos armados

Milhares de pessoas estão vivendo nas florestas com pouca comida e assistência de saúde, sem que, na maioria das vezes, as organizações de saúde tenham como chegar a elas. Mesmo nas áreas mais seguras onde os deslocados internos se congregaram, a resposta humanitária tem sido insuficiente. O sistema de saúde está em colapso e a maioria das atividades médicas teve de ser suspensa devido à falta de segurança.

Várias equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) estão trabalhando na região, oferecendo assistência emergencial e atendimento médico gratuito, incluindo um projeto na cidade de Dungu. As atividades incluem cirurgia, atendimento nutricional, saúde mental, apoio às vítimas de violência sexual e cuidados de saúde primários em dois centros de saúde. Metade da população de Dungu, estimada em 45 mil pessoas, é formada por indivíduos que tiveram de fugir de suas cidades natais devido à violência.

Na segunda-feira passada, a equipe de MSF em Dungu realizou um resgate aéreo, para buscar três sobreviventes de um ataque horrível ocorrido cinco dias antes em um vilarejo perto de Bangadi, que fica a cem quilômetros ao nordeste de Dungu. Ainda não é conhecido o número de moradores que morreram no ataque. A coordenadora de terreno de MSF, Claire Debard, organizou uma transferência médica e teve a oportunidade de falar com três sobreviventes.

Segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Na tarde do dia 17 de agosto, a equipe de MSF levou os três feridos que conseguiram escapar do ataque realizado por um grupo armado perto de Bangadi. O resgate aéreo havia sido planejado para o dia anterior, mas devido ao mau tempo o avião não pôde decolar.

Foi apenas às 15h do dia 17 que o médico de MSF conseguiu realizar o resgate. Ele voltou às 17h com dois homens e uma mulher, todos com por volta de 60 anos de idade. Eles tinham machucados visíveis nos joelhos e estavam muito fracos. MSF levou-os ao Hospital Geral de Dungu, onde uma equipe médica esperava por eles.

Os pacientes apresentavam ferimentos graves, incluindo duas fraturas abertas e uma fechada nas pernas, que necessitavam de cirurgia médica. Após o atendimento médico, dois dos pacientes deram seus testemunhos:

“Moro em um vilarejo localizado a quatro quilômetros de Bangadi com a minha esposa, nossa filha de cinco anos de idade e meu irmão mais velho. O chefe do nosso vilarejo disse para nós partirmos no início de agosto e para nos mudarmos para Bangadi porque os grupos armados estavam por perto e ele não podia garantir a nossa segurança.

Infelizmente, após alguns dias em Bangadi, não tínhamos mais comida e a situação estava ficando muito difícil. Foi por isso que, no dia 12 de agosto, nós decidimos voltar para nosso vilarejo para conseguir alimentos. Quando chegamos, cinco homens armados nos surpreenderam. Eles estavam acompanhados por três reféns, incluindo uma mulher que traduzia o que diziam. Eles amarraram nossas mãos e nos levaram para a floresta. No dia seguinte, levaram a minha filhinha para o vilarejo, porque queriam encontrar frango e amendoins. Eles voltaram sem ela, trouxeram apenas a corda que usaram para amarrá-la. Ela estava morta.

Eles disseram que não iam nos matar, mas que precisávamos voltar para o vilarejo com eles. Quando chegamos lá, eles disseram que roubariam nossa comida e que bateriam em nós. E foi o que fizeram: golpearam nossas pernas, joelhos e correram para se esconder na floresta, nos deixando abandonados. Passamos à noite jogados no chão.

Na segunda-feira de manhã, decidi que deveria fazer alguma coisa e fui me arrastando até o outro vilarejo, Yamba, a dois quilômetros de onde eu estava. Consegui chegar até lá e os moradores foram procurar ajuda em Bangadi. Eu e minha mulher fomos levados para lá de bicicleta. Meu irmão teve de ser transportado em uma maca porque não conseguia ficar sentado na bicicleta.

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