Sudão: 16% dos pacientes feridos de guerra em hospital no sul de Cartum são crianças

Equipes de MSF atendem pacientes pediátricos vítimas de tiros, explosões e estilhaços

Raio-x de paciente pediátrica, de 1 ano e oito meses, com estilhaços na cabeça.

Desde janeiro deste ano, dos 4.214 pacientes feridos de guerra tratados no Hospital Universitário Bashair, no sul de Cartum, Sudão, 16% tinham menos de 15 anos – o que representa uma em cada seis pessoas atendidas na instalação. Muitas delas sofreram ferimentos por tiros, explosões e estilhaços. A equipe médica também está preocupada com o aumento de casos de desnutrição grave entre crianças atendidas na unidade de saúde.

O hospital é um dos últimos em funcionamento no sul de Cartum, capital do Sudão. Ele fornece atendimento de emergência e cirúrgico, além de serviços de saúde materna.

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“O bebê Riyad, de 1 ano e seis meses, foi levado ao pronto-socorro depois que uma bala perdida atingiu o lado direito de seu corpo enquanto dormia na casa da família dele”, relata Moeen*, líder da equipe médica de MSF. “A equipe lutou por quatro horas para estabilizá-lo. Devido à grande perda de sangue, as chances de ele sobreviver à cirurgia eram de 50%.”

Raio-x de Riyad, de 1 ano e seis meses.

Os profissionais conseguiram estancar o sangramento, mas a bala permaneceu alojada no peito de Riyad. Não se sabe quanto tempo levará até que algo possa ser feito sobre isso.

O hospital não tem capacidades cirúrgicas avançadas, em parte como resultado de um bloqueio sistemático no envio de suprimentos cirúrgicos desde outubro de 2023.

Encaminhar pacientes para fora da área também é muito difícil, pois as rotas de transporte estão destruídas ou são muito perigosas. Riyad é uma das 314 crianças tratadas por ferimentos de bala e estilhaços em 2024.

Bloqueios dificultam atendimento

Com bloqueios deliberados no transporte de medicamentos e outros suprimentos médicos, alguns procedimentos, como o tratamento de ferimentos graves por queimaduras, não são possíveis. Não há mais nenhum centro de tratamento de queimados em pleno funcionamento na cidade, e os civis estão cada vez mais sendo vítimas de explosões de bombas.

No final de outubro, mais de 30 pacientes feridos de guerra foram levados às pressas para o Hospital Bashair em um único dia, após uma explosão em um mercado a menos de um quilômetro de distância. Entre os feridos, 12 tinham menos de 15 anos de idade. Muitos sofreram queimaduras e ferimentos.

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Uma menina de 1 ano e oito meses chegou com estilhaços profundos na cabeça. Enquanto a equipe a deitava cuidadosamente para realizar o raio-X, a parte da frágil calota craniana (área de cima do osso do crânio) da bebê caiu sobre a mesa. “Casos como esse são corriqueiros”, diz Moeen. “Felizmente, aquela garotinha sobreviveu. Outros não tiveram essa ‘sorte’”.

Raio-x de paciente pediátrica com estilhaços na cabeça.

Incidentes com vítimas em massa como este — em que um alto número de pacientes chega em um curto período de tempo — tornaram-se mais frequentes à medida que os confrontos na cidade se intensificaram, explica Moeen. Os poucos hospitais que continuam funcionando estão sob imensa pressão, e a equipe médica está enfrentando grandes desafios para administrar todas as necessidades.

Casos de desnutrição aguda aumentam

O hospital também começou a registrar um aumento no número de crianças e gestantes admitidas na instalação com desnutrição aguda grave. Sem tratamento, ela pode ser fatal. Das 4.186 mulheres e crianças examinadas entre 19 de outubro e 8 de novembro de 2024, mais de 1.500 sofriam de desnutrição aguda grave e 400 estavam com desnutrição moderada.

“Esses números de violência e desnutrição mostram o pesadelo que as pessoas, incluindo crianças, estão vivenciando em Cartum. As partes envolvidas no conflito devem garantir que os civis sejam protegidos. Os suprimentos médicos devem ter permissão para chegar a todos os hospitais no Sudão”, apela Claire San Filippo, coordenadora de emergência de MSF.

Desde o início do conflito, em abril de 2023, mais de 500 mil pessoas buscaram atendimento médico em hospitais, unidades de saúde e clínicas móveis apoiados por MSF em todo o Sudão. Estamos apoiando e trabalhando em mais de 12 unidades de saúde em regiões afetadas pelo conflito.

Entre janeiro e setembro de 2024, MSF tratou 6.557 feridos de guerra em todas as nossas instalações no Sudão. Com mais de 11 milhões de pessoas deslocadas, a crise de deslocamento no país se tornou a maior dos últimos anos. MSF atua em 11 dos 18 estados do Sudão para fornecer assistência médica gratuita para aqueles que mais precisam.

*Nome alterado por questões de segurança

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