Sudão do Sul: relatório de MSF alerta sobre as consequências da violência desde a independência do país

Marco de uma década do Sudão do Sul é acompanhado de graves conflitos e cinco anos de guerra, que deixou cerca de 400 mil mortos no país.

Acampamento Malakal, Sudão do Sul

Em 9 de julho de 2021, a República do Sudão do Sul comemorou seu décimo aniversário. Este marco significativo também é prejudicado pelo legado sangrento de sua primeira década, incluindo uma guerra civil de cinco anos.

Um novo relatório de Médicos Sem Fronteiras (MSF), “Sudão do Sul aos 10: um registro de MSF das consequências da violência”, oferece um relato consolidado da experiência de MSF no Sudão do Sul desde 9 de julho de 2011. O documento busca servir como um registro e lembrete do número humano de violência, desde a independência, visto pela organização – por meio de sua equipe e pacientes.

Da independência para a guerra civil

Na independência, o Sudão do Sul enfrentava pelo menos 30 emergências humanitárias. Partes do país foram mergulhadas em confrontos intercomunais cada vez mais ameaçadores e houve um novo conflito nas áreas de fronteira com o Sudão. Apesar dos desafios, os primeiros anos do período pós-independência foram de expectativas, otimismo e, para a maior parte do país, de relativa paz.

No entanto, em dezembro de 2013 – menos de dois anos após a independência – o país implodiu rapidamente na guerra civil, expondo a fragilidade do jovem estado emergente.

“Após a chegada desses 22 anos de guerra civil, veio a independência em 2011. Toda a população estava alegre. Ficamos felizes porque um novo país nasceu… mas toda essa esperança e sonhos, de repente, passaram a não existir mais”, contou Yambio, membro da equipe de MSF, em agosto de 2019.

Violência extrema

Estima-se que o conflito de cinco anos tenha causado quase 400 mil mortes, muitas delas como resultado de alvos de civis, incluindo crianças e idosos, por motivos étnicos. A violência sexual e de gênero (em inglês, SGBV) tem sido usada como arma de conflito, com ataques sistemáticos por motivos étnicos e políticos.

Parte da violência mais extrema foi realizada em locais de refúgio e santuários, incluindo hospitais estaduais, onde pacientes e pessoas que buscavam abrigo foram mortos em uma série de ataques brutais. Milhões de pessoas foram deslocadas, frequentemente várias vezes, dentro e fora do Sudão do Sul. Isso inclui centenas de milhares de pessoas que buscaram abrigo em locais de Proteção de Civis (PoC) dentro das bases da Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul (em inglês, UNMISS).


 

Desde a independência, 24 funcionários de MSF foram mortos pela violência no país, cinco enquanto estavam em serviço. Todos os pacientes e funcionários da organização, bem como suas comunidades, foram impactados direta e indiretamente por conflitos e violência.

Mortes por doenças evitáveis

Em todo o país, as pessoas estão sujeitas à destruição, deslocamento, doenças e morte. A violência interrompe o acesso aos cuidados de saúde, incluindo a vacinação de rotina, ao mesmo tempo em que aumenta o risco de transmissão de doenças e insegurança alimentar.


 

Houve repetidos fracassos em garantir condições de vida dignas para as pessoas em campos de refugiados e locais de PoC ou de deslocados internos. Em vez disso, as pessoas que fogem do conflito e da violência foram repetidamente forçadas a viver em condições deploráveis – com requisitos básicos de espaço vital, água e saneamento não atendidos, mostrando uma situação muito abaixo dos limites mínimos de emergência para sobrevivência.

Na pior das hipóteses, MSF registra de três a cinco crianças morrendo por dia de doenças evitáveis – como a malária – em diferentes acampamentos de refugiados e locais de PoC. Enquanto isso, as pessoas forçadas a viver ao ar livre, no mato e nos pântanos foram constantemente expostas a doenças e fome extrema.

Em algumas áreas, o conflito trouxe o ressurgimento do calazar, a segunda maior doença parasitária do mundo. Além disso, houve surtos de sarampo, hepatite C e cólera, entre outros.

Saúde mental

Milhões de pessoas no Sudão do Sul foram repetidamente expostas a eventos traumáticos. MSF testemunhou aumentos nas tentativas de suicídio e trabalhou com pacientes que lidavam com transtorno de estresse pós-traumático.

“O mais difícil de ser sul-sudanês é o medo. Pessoas enfrentando o medo. Pessoas dormindo com medo. Isso cria muito trauma nos habitantes, porque eles não são livres como quando conquistamos nossa independência”, relatou a equipe de MSF em Mundri, no período de agosto de 2019.


 

O impacto de um conflito prolongado e repetidas crises humanitárias no Sudão do Sul é agravado por um sistema de saúde frágil e cronicamente subfinanciado, que está destruído em muitas áreas e amplamente negligenciado em outras. Em 2020, de aproximadamente 2.300 unidades de saúde, mais de 1.300 não funcionavam. Menos da metade (44%) da população total e apenas 32% das pessoas deslocadas internamente vivem a menos de cinco quilômetros de uma unidade de saúde funcional.

Crises humanitárias contínuas

Apesar de um acordo de paz em 2018, que encerrou cinco anos de guerra civil, e da formação de um governo unificado no início de 2020, a situação permanece instável e ameaçadora em muitas áreas. Em 2019, o Sudão do Sul viu um ressurgimento de conflitos subnacionais e confrontos de facções que desde então aumentaram em 2020 e 2021.

Hoje, 8,3 milhões de pessoas – mais de dois terços da população – estão em extrema necessidade de assistência humanitária e proteção. Atualmente, em meio à maior crise de refugiados na África, 2,2 milhões de sul-sudaneses estão abrigados em países vizinhos. Mais de 1,6 milhão de pessoas permanecem deslocadas internamente. Mesmo na melhor das hipóteses, o Sudão do Sul permanecerá vulnerável a crises humanitárias no futuro próximo e precisará de assistência por algum tempo.


 

Os líderes do Sudão do Sul devem fazer todos os esforços para garantir a segurança e a proteção dos civis e um ambiente propício à prestação de assistência humanitária, independentemente de qualquer agenda política.

“Minha esperança para o futuro dos próximos 10 anos é uma sociedade transformada, uma comunidade transformada onde possamos viver e coexistir entre nós. Onde eu veja alguém como meu irmão. Eu veja alguém como minha irmã. Onde eu possa simplesmente me mover sem qualquer restrição. Onde possa expressar meus sentimentos para qualquer pessoa, independentemente de sua raça e seu povo. E esta é a sociedade que desejo nos próximos 10 anos… É a geração jovem que inspirará a geração que está por vir”, contou um funcionário de MSF, em 22 de abril de 2021.

Por quase 40 anos, a área que constitui o Sudão do Sul está entre os países de maior prioridade global de MSF, em termos de operações, empregos e financiamento. Enquanto a jovem nação entra em sua próxima década, a organização médico-humanitária continua comprometida com a população do país.

Para ler o relatório, acesse aqui.
 

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