Sudão: população no estado de Cartum é privada de serviços que salvam vidas

Em meio a conflitos, poucos hospitais continuam funcionando em Cartum, e preço de medicamentos essenciais continua a subir.

Hospital de Umdawanban, apoiado por Médicos Sem Fronteiras no Sudão. Julho de 2023. ©MSF

Nos últimos meses, a população do estado de Cartum, no Sudão, tem ficado cada vez mais sem acesso à saúde. Pouquíssimas instalações médicas continuam funcionando, privando três milhões de habitantes de serviços médicos que salvam vidas.

Pela primeira vez em mais de 90 dias, um número limitado de permissões de viagem foi concedido à equipe humanitária para acessar as áreas controladas pelo grupo Forças de Apoio Rápido. Antes disso, nenhuma permissão de viagem havia sido concedida para viajar a Cartum desde 1º de outubro. Médicos Sem Fronteiras (MSF) está pedindo às autoridades sudanesas que garantam que essas restrições não sejam restabelecidas, a fim de evitar mais perdas de vidas.

“Apesar do êxodo passado de Cartum por causa dos combates em andamento, ainda há um grande número de pessoas que não puderam ‘se dar ao luxo’ de fugir, ou que não puderam fazê-lo devido às vulnerabilidades ou à insegurança, e que agora estão lutando para ter acesso a tratamentos essenciais”, explica Jean-Guy Vataux, coordenador-geral do projeto de MSF no Sudão.

 

Poucos hospitais e medicamentos em falta

Em Cartum, apenas alguns hospitais estão funcionando atualmente, e o preço dos medicamentos essenciais continua a subir. As equipes de MSF no Hospital Turco recebem mais de 100 pacientes por dia, a maioria crianças e mulheres grávidas. Muitos chegam em estado crítico, em estágios avançados da doença, após assumir o risco calculado de viajar até o hospital. Às vezes, essas pessoas percorreram quilômetros a pé e nas linhas de frente dos conflitos, já que não há serviço de ambulância e há pouquíssimas opções de transporte disponíveis.

“Uma menina de 4 anos de idade foi trazida para a nossa sala de emergência depois de ser atingida no abdômen por uma bala perdida que entrou em sua casa”, diz Vataux. “Sua mãe a levou a três outros hospitais antes que ela finalmente conseguisse tratamento cirúrgico no Hospital Turco”, relata.

“Tivemos outro caso trágico em que quatro crianças estavam brincando com um projétil que não explodiu. Elas não tinham ideia de que se tratava de um objeto perigoso até que ele explodiu em suas mãos. Elas foram levadas às pressas para o hospital, e duas delas precisaram de cirurgia abdominal urgente.”

 

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No hospital de Umdawanban, a ocitocina também está faltando, e ela é essencial para muitas mulheres durante o parto. Um dos profissionais do hospital descreveu cenas traumáticas na unidade pediátrica, pois as crianças com doenças crônicas, como diabetes, não conseguem encontrar insulina e, muitas vezes, quando finalmente conseguem chegar ao hospital, estão a horas de morrer.

“Antes de MSF estabelecer nossos serviços aqui, as crianças de Umdawanban não tinham acesso a cuidados pediátricos e, portanto, não tinham chance de sobreviver. Hoje, vemos menos mortes de crianças, mas agora nossa equipe médica está reduzida ao mínimo necessário dentro do hospital. Mães e crianças continuam em risco, especialmente quando sofrem de doenças crônicas, como hipertensão, problemas de tireoide ou epilepsia, que exigem medicamentos difíceis de encontrar tanto para os colegas de MSF quanto para os do Ministério da Saúde.”

 

O Hospital Universitário de Bashair é uma ‘tábua de salvação’ para muitas pessoas, mas estamos começando a sentir falta do essencial.”

Slaymen Ammar, coordenador-médico de MSF no Sudão.

 

Slaymen Ammar, coordenador-médico de MSF, explica a situação no Hospital Universitário de Bashair, no sul de Cartum: “A equipe aqui gerenciou mais de 6.100 consultas no setor de emergência nos últimos seis meses. Como um dos poucos hospitais em funcionamento disponíveis para a comunidade do estado de Cartum, ele é uma ‘tábua de salvação’ para muitas pessoas, mas estamos começando a sentir falta do essencial. Por exemplo, os estoques de luvas médicas e antissépticos para limpeza de ferimentos estão tão baixos que até mesmo o fornecimento de cuidados médicos básicos está se tornando um desafio”.

“Me lembro de uma criança de 1 ano de idade que foi ferida e perdeu o pai em uma explosão de bomba. O menino estava em estado crítico, mas surpreendeu a todos nós quando se recuperou após dois meses de cuidados no setor de trauma. Quando o menino recebeu alta, sua mãe, agora viúva, não tinha para onde ir e passou três dias tentando encontrar transporte para sair de Cartum e se juntar a seus parentes em Darfur.”

 

Restrições nas autorizações de viagens para profissionais humanitários

Várias equipes de MSF enfrentam sérios desafios para manter os serviços abertos, em grande parte devido às restrições administrativas nas autorizações de viagem dos profissionais.

“Enquanto nossas equipes continuam a lidar com o terrível fluxo de vítimas [da guerra], as restrições ao movimento de pessoal médico essencial e de outras equipes humanitárias em Cartum por muitos meses impediram que as pessoas pudessem receber tratamento para ferimentos que salvam vidas e tratamento para doenças totalmente evitáveis”, diz Vataux.

“A demanda por serviços de saúde em Cartum só aumentou desde que a violência que tomou conta do estado de Jazirah, em meados de dezembro. Isso fez com que muitas instalações de saúde em Wad Madani, a capital do estado, ficassem inoperantes, e também fez com que muitas pessoas retornassem a Cartum. Embora MSF tenha acabado de receber permissão para retornar a Wad Madani, o que é uma notícia positiva, essa foi a primeira vez em mais de 90 dias e nós pedimos às autoridades sudanesas que facilitem nosso acesso aos estados de Jazirah e Cartum regularmente para que possamos atender às necessidades cada vez maiores da população”.

 

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MSF trabalha no Sudão desde 1979. Atualmente, trabalhamos em nove estados do Sudão, incluindo a cidade e o estado de Cartum, o Nilo Branco, o Nilo Azul, o Rio Nilo, Al Gedaref, Darfur Ocidental, Darfur do Norte, Darfur Central e o estado de Darfur do Sul.

As equipes de MSF no Sudão estão tratando pessoas feridas nos combates, incluindo ferimentos causados por explosões e tiros, tratando doenças transmissíveis e não transmissíveis, oferecendo cuidados maternos e pediátricos, administrando clínicas móveis em locais de concentração de deslocados internos e hospitais em campos de refugiados, fornecendo água e apoio sanitário e apoiando instalações de saúde por meio de doações, incentivos ao pessoal do Ministério da Saúde e treinamento e apoio logístico. MSF também está dando continuidade à maioria das atividades que estavam em vigor antes do início do conflito.

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