Sudão: relatório de MSF revela número estarrecedor de mortes de mulheres grávidas e crianças em Darfur do Sul

Somente em dois hospitais da região, o número de mortes maternas representou mais de 7% do registrado em todas os projetos de MSF no mundo

Setembro de 2024. ©Abdoalsalam Abdallah/MSF

Uma das mais graves emergências de saúde materna e infantil do mundo está se desenrolando em Darfur do Sul, no Sudão, de acordo com um relatório divulgado nesta quarta-feira, 25 de setembro, por Médicos Sem Fronteiras (MSF). Mulheres grávidas, em trabalho de parto e no pós-parto, assim como crianças, estão morrendo por condições que poderiam ser evitadas, em uma situação na qual as necessidades de saúde superam em muito a capacidade de resposta de MSF.

 

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O relatório “Levados à ruína: o impacto do conflito e do descaso na saúde de mães e crianças em Darfur do Sul” (leia aqui em inglês) revela que o número de mortes maternas registradas em apenas dois hospitais apoiados por MSF em Darfur do Sul foi superior a 7% do total de mortes maternas em todas as instalações de MSF no mundo em 2023 – para se ter uma referência, MSF atua em mais de 70 países. Uma triagem feita com crianças para detectar desnutrição também encontrou taxas bem acima dos limites de emergência.

Bebês recém-nascidos, mulheres grávidas e novas mães estão morrendo em números estarrecedores.”

– Gillian Burkhardt, coordenadora de atividades de saúde sexual e reprodutiva de MSF

 

“Esta é uma crise diferente de qualquer outra que já vi na minha carreira”, diz Gillian Burkhardt, coordenadora de atividades de saúde sexual e reprodutiva de MSF, falando de Nyala, Darfur do Sul. “Várias emergências de saúde acontecendo simultaneamente com quase nenhuma resposta internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) e de outros órgãos. Bebês recém-nascidos, mulheres grávidas e novas mães estão morrendo em números estarrecedores. Tantas mortes são devido a condições evitáveis, mas quase todo o sistema ruiu.”

De janeiro a agosto, em Darfur do Sul, foram registradas 46 mortes maternas nos hospitais Universitário de Nyala e no Rural de Kas . A escassez de instalações de saúde funcionais e os custos inacessíveis de transporte significam que muitas mulheres chegam ao hospital em estado crítico, e 78% das mortes maternas nos hospitais Kas e Nyala ocorrem nas primeiras 24 horas após a admissão.

Anhar Hassan Mohammed Omar enfrentou muitos desafios para dar à luz em segurança na unidade de saúde, incluindo os custos do transporte até o hospital. ©Abdoalsalam Abdallah/MSF

Sepse é a causa mais comum

A sepse foi a causa mais comum de mortes maternas nas instalações apoiadas por MSF em Darfur do Sul. A falta de unidades de saúde funcionais força as mulheres a darem à luz em ambientes insalubres, sem itens básicos como sabão ou instrumentos esterilizados. Esses itens básicos ajudariam a prevenir infecções que poderiam ser tratadas com antibióticos, mas ambos estão em falta.

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“Uma paciente grávida de uma área rural esperou dois dias para conseguir o dinheiro necessário para receber atendimento. Quando ela viajou para um centro de saúde, não havia medicamentos, então ela voltou para casa”, descreve Maria Fix, líder da equipe médica da MSF em Darfur do Sul.

“Após três dias, sua condição se deteriorou, mas novamente ela teve que esperar cinco horas pelo transporte. Ela já estava em coma quando chegou até nós. Ela morreu de uma infecção prevenível.”

A crise em Darfur do Sul se estende às crianças, com milhares à beira da morte e da fome, e outras morrem de condições evitáveis. De janeiro a junho de 2024, um total de 48 recém-nascidos morreram de sepse em apenas duas instalações de MSF, o que significa que um em cada cinco recém-nascidos com sepse não sobreviveu.

Aumento dos casos de desnutrição infantil

Em agosto, 30 mil crianças menores de 2 anos de idade foram examinadas para desnutrição em Darfur do Sul. Destas, 32,5% foram diagnosticadas com desnutrição grave, muito além do limite de emergência da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 15%. Além disso, 8,1% das crianças examinadas estavam com desnutrição aguda severa.

Nyala, a capital de Darfur do Sul, era um centro para organizações humanitárias antes da guerra, mas a maioria das organizações não permaneceu. A ONU ainda não tem nenhuma equipe internacional na cidade, onde MSF é uma das únicas organizações internacionais presentes. Entre janeiro e agosto, as equipes de MSF em Darfur do Sul forneceram 12.600 consultas de pré e pós-natal e apoiaram 4.330 partos normais e complicados.

Em todo o Sudão, crises inter-relacionadas se somam para causar imenso sofrimento, com pouquíssima ajuda disponível, como explica Gillian Burkhardt, que trabalhou em Darfur do Norte antes de ser designada para trabalhar em Darfur do Sul.

As soluções precisam encontradas antes que mais vidas sejam perdidas.”
– Gillian Burkhardt, coordenadora de atividades de saúde sexual e reprodutiva de MSF

 

“A disparidade entre as enormes necessidades de cuidados de saúde, alimentos e serviços básicos e a resposta internacional consistentemente insuficiente é vergonhosa. Pedimos aos doadores, à ONU e às organizações internacionais que aumentem urgentemente o financiamento e ampliem os programas de saúde materna e nutrição.”
“Sabemos que o Sudão é um lugar desafiador para se trabalhar, mas esperar que os desafios desapareçam por conta própria não leva a lugar nenhum. Para milhares de mães e crianças, já é tarde demais. Os riscos devem ser gerenciados, e as soluções precisam encontradas antes que mais vidas sejam perdidas.”

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Guerra agrava crise de saúde

O conflito também está impulsionando a crise de saúde materna e infantil, à medida em que as pessoas são deslocadas e submetidas à violência. A escassez de suprimentos é agravada pelas partes em guerra que, junto com seus grupos armados afiliados, continuam a bloquear ou restringir o acesso à ajuda que salva vidas.

A crise corre o risco de prender famílias em ciclos prolongados de desnutrição, doença e deterioração da saúde ao longo de gerações. A cuidadora de um paciente descreveu o impacto dessas crises em sua família: “A mãe dos gêmeos morreu de hemorragia grave, deixando para trás outros oito filhos. Meu marido e eu tentamos cuidar deles, mas não ganhamos o suficiente para alimentá-los. Agora, somos 13 em casa. Estamos lutando, comendo mingau com algum molho e um pouco de sal, com pouco ou nenhum óleo, e algumas folhas.”

Notas

• Desde que retornou a Darfur do Sul, em janeiro de 2024, MSF tem apoiado serviços de saúde materna em hospitais do Ministério da Saúde do Sudão e centros de atenção primária à saúde por meio da reabilitação de infraestrutura, incentivos para os profissionais, suporte logístico e técnico, supervisão clínica, fornecimento de medicamentos e custos operacionais.

• No Hospital Universitário de Nyala, a unidade de maternidade apoiada por MSF apoia partos normais e cesáreas e oferece serviços contraceptivos, além de fornecer atendimento a sobreviventes de violência sexual e de gênero, incluindo prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, fornecimento de profilaxia de pós-exposição ao HIV e contraceptivos de emergência.

• No Hospital Al-Wahda, MSF apoia serviços de contracepção e atendimento a sobreviventes de violência sexual e de gênero por meio do fornecimento de incentivos e suporte técnico em um “local confidencial” dentro da clínica.

• No centro de saúde primária de Bileil, em Nyala, MSF oferece suporte a cuidados pré e pós-natais, a partos normais e consultas sobre contracepção.

• No Hospital Rural de Kas, MSF oferece suporte a cuidados de saúde secundária e atendimento obstétrico e neonatal de emergência abrangente.

• Na região de South Jebel Marra, MSF está apoiando três unidades de saúde primária (Kalokitting, Torun Tonga e Dili) que oferecem consultas de pré-natal e parto prematuro, serviços de contracepção e encaminhamentos de emergência para os hospitais de Kas e Golo.

• Além de dar suporte a essas instalações, MSF apoia clínicas para mulheres nos acampamentos de pessoas deslocadas internamente em Kalma, Dreij e Otash, nos arredores de Nyala. MSF começará a oferecer suporte a serviços semelhantes voltados para mulheres nas próximas semanas para lidar com o aumento da mortalidade materna e as necessidades em saúde sexual e reprodutiva em todo o estado.

De janeiro a agosto de 2024, equipes de MSF em Darfur do Sul realizaram:

• 12.600 consultas de cuidados de pré-natal e pós-natal
• 1.260 consultas de cuidados neonatais
• 4.330 partos normais e complicados
• 2.470 cesarianas

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