Sudão: violência e obstruções forçam MSF a suspender atividades em hospital

Em Wad Madani, insegurança e bloqueios à entrada de suprimentos e profissionais médicos prejudicam atendimento da população atingida pelos conflitos armados.

Atendimento de MSF em acampamento de Wad Madani, no Sudão. © Fais Abubakr

Médicos Sem Fronteiras (MSF) foi forçada a suspender o trabalho e retirar seus profissionais do Hospital Universitário Madani, o único hospital em funcionamento para centenas de milhares de pessoas que necessitam urgentemente de assistência médica em Wad Madani, capital do estado de Al Jazirah, no Sudão.

Esta decisão extremamente difícil surge depois de mais de três meses de desafios incansáveis na tentativa de prestar cuidados no hospital, incluindo a crescente insegurança; a impossibilidade de trazer novos profissionais e suprimentos médicos para a área devido à negação de autorizações de viagem; e repetidos incidentes de segurança, como saques e ameaças, que afetam a nossa capacidade de prestar cuidados médicos.

MSF apela às partes envolvidas no conflito para que parem de violar as instalações de saúde, garantam a segurança das equipes de saúde e concedam as autorizações de viagem necessárias para o nosso pessoal e para a entrada de suprimentos.

O sistema de saúde e os serviços básicos em Al Jazirah entraram em colapso como consequência dos conflitos e do bloqueio sistemático de entrada de suprimentos e profissionais.”
– Mari Carmen Viñoles, coordenadora de operações de MSF no Sudão.

“O sistema de saúde e os serviços básicos no estado de Al Jazirah entraram em colapso como consequência dos conflitos e do bloqueio sistemático de entrada de suprimentos e profissionais”, explica Mari Carmen Viñoles, coordenadora de operações de MSF no Sudão.

• Veja também: bloqueio de suprimentos força suspensão de atividades cirúrgicas de MSF em Cartum, no Sudão

“MSF foi a única ONG internacional que prestou algum apoio em Wad Madani. Nossa saída deixa um vazio profundo para as pessoas que lutam para ter acesso à saúde e vivem em um ambiente muito inseguro, sem transporte para se locomover”, completa Mari Carmen Viñoles.

Conflitos se estendem

Em meados de dezembro, os conflitos atingiram Wad Madani, localizada a cerca de 136 km a sudeste de Cartum, capital do Sudão. Pelo menos 630 mil pessoas foram forçadas a fugir do estado de Al Jazirah para outras partes do país, de acordo com a Organização Internacional para as Migrações, muitas das quais já haviam sido deslocadas. No final daquele mês, MSF evacuou toda a equipe de Wad Madani após a ofensiva do grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido na cidade, que até então era controlada pelas Forças Armadas Sudanesas, lideradas pelo governo.

Em 13 de janeiro, MSF conseguiu enviar uma equipe de volta a Wad Madani, uma das cidades mais populosas do Sudão, onde permaneciam centenas de milhares de pessoas.

Desde então, MSF tem apoiado o pronto-socorro, o centro cirúrgico, a maternidade, o setor de internação – incluindo a pediatria, o centro de nutrição terapêutica e as enfermarias cirúrgicas e de adultos – e a farmácia do Hospital Universitário Madani. Também fornecemos apoio de saúde mental e atendimento para sobreviventes de violência sexual. Além disso, MSF também ofereceu treinamento, incentivos salariais a 240 profissionais do Ministério da Saúde do Sudão e alimentação aos pacientes.

Entre meados de janeiro e o final de abril, MSF realizou quase 10 mil consultas ambulatoriais – a malária foi a doença mais comumente tratada – 2.142 consultas pré-natais e atendimento a 16 sobreviventes de violência sexual. Nesse período, houve fluxo constante de pacientes no pronto-socorro, totalizando 2.981 admissões. Um número significativo desses atendimentos envolveu lesões físicas sofridas na violência provocada pelos confrontos.

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Insegurança crescente

MSF suspendeu agora todo o apoio às instalações e transferimos nossa equipe para áreas mais seguras do Sudão. Nos últimos três meses, a nossa equipe e os profissionais de apoio do Ministério da Saúde enfrentaram repetidos incidentes de segurança que foram executados ou tolerados pelas Forças de Apoio Rápido , incluindo saques ao hospital, veículos roubados e retenção de profissionais, entre outros. Desde janeiro, as autoridades sudanesas têm negado persistentemente autorizações de viagem para a entrada de novos profissionais e material médico e logístico na cidade.

“Embora as necessidades humanitárias e médicas em Wad Madani e Al Jazirah sejam imensas, não temos outra opção senão parar imediatamente o nosso trabalho e abandonar a área”, relata Viñoles. “Os bloqueios administrativos deliberados, a crescente insegurança e as constantes violações do hospital como espaço neutro impossibilitaram a continuidade da prestação de serviços.”

MSF está disposta a voltar a apoiar o Hospital Universitário Madani para apoiar as pessoas em Al Jazirah se as partes em conflito se comprometerem a respeitar nosso trabalho médico e garantir acesso seguro e ininterrupto à área. MSF pede às Forças de Apoio Rápido que parem de violar as instalações médicas e garantam a segurança do Ministério da Saúde do Sudão e da equipe de MSF.
Também apelamos às autoridades militares e civis lideradas pelo governo do Sudão para que concedam as autorizações de viagem necessárias para nossos profissionais e suprimentos.

MSF trabalha e apoia atualmente mais de 30 unidades de saúde em nove estados do Sudão: Cartum, Nilo Branco e Azul, Al Gedaref, Darfur Ocidental, Darfur do Norte, Sul e Central e Mar Vermelho. Executamos programas em áreas controladas pelas Forças Armadas Sudanesas e pelas Forças de Apoio Rápido. Nossas equipes prestam atendimento a traumas, cuidados maternos e pediátricos e tratam a desnutrição junto com outros serviços de saúde. Profissionais de MSF também apoiam refugiados sudaneses e repatriados no Sudão do Sul e no leste do Chade.

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