Sudão: violência no acampamento de Zamzam força MSF a suspender atividades

“Não há condições mínimas de segurança para continuar com os atendimentos”, diz coordenador-geral de MSF no Sudão

Enfermeiro de MSF realiza triagem e acompanhamento dos pacientes na clínica do acampamento de Zamzam. Sudão, agosto de 2024. © Mohammed Jamal

A atual escalada de ataques e confrontos dentro e ao redor do acampamento de Zamzam, onde pessoas deslocadas se abrigam, perto de El Fasher, no Sudão, impede que Médicos Sem Fronteiras (MSF) continue a fornecer assistência médica à população. Apesar da fome generalizada e das imensas necessidades humanitárias no local, em Darfur do Norte, a organização não tem escolha a não ser tomar a decisão de suspender todas as suas atividades no acampamento, incluindo no hospital de MSF.

Nas primeiras três semanas de fevereiro, nossas equipes em Zamzam receberam 139 pacientes feridos no hospital de MSF, a maioria com ferimentos à bala e causados por estilhaços. Projetada para ajudar a enfrentar a enorme crise de desnutrição que se desenrola no acampamento, nossa instalação médica não tem capacidade para fornecer cirurgias de trauma para pessoas em condições críticas.

“Onze pacientes morreram enquanto estavam no hospital de MSF, cinco deles crianças, porque não podíamos tratá-los adequadamente nem encaminhá-los para o Hospital Saudita, a única instalação com capacidade cirúrgica nas proximidades de El Fasher. Em dezembro e janeiro, duas de nossas ambulâncias que encaminhavam pacientes do acampamento para El Fasher foram baleadas. Agora é ainda mais perigoso e, como resultado, muitas pessoas, incluindo pacientes que necessitam de cirurgia de trauma ou cesariana de emergência, estão presas em Zamzam”, explica Yahya Kalilah, coordenador-geral de MSF no Sudão.

A região tem sofrido intensos confrontos entre as Forças de Apoio Rápido e as Forças Conjuntas, uma coligação de grupos armados aliados às Forças Armadas Sudanesas, com consequências terríveis para os civis. Sitiando e bombardeando a cidade de El Fasher nos últimos 10 meses, as Forças de Apoio Rápido intensificaram sua ofensiva nas últimas semanas e lançaram ataques contra o acampamento de Zamzam, em particular nos dias 11 e 12 de fevereiro. As pessoas que já estavam lutando para sobreviver agora têm seu acesso à água e à comida ainda mais comprometido, já que o mercado central foi saqueado e incendiado.

“Interromper nosso projeto no meio de um desastre cada vez pior em Zamzam é uma decisão de partir o coração. Durante mais de dois anos, nossas equipes fizeram o máximo para fornecer cuidados, mesmo com todas as adversidades – o cerco, a escassez de suprimentos e vários outros desafios – pedindo e esperando por uma resposta humanitária maior que nunca se materializou.

No entanto, à medida que a disputa por El Fasher continua e agora chega diretamente ao acampamento de Zamzam, não há condições mínimas de segurança para continuar com os atendimentos.

A proximidade da violência, as grandes dificuldades para o envio de suprimentos, a impossibilidade de encaminhar uma equipe experiente para fornecer o apoio adequado e a incerteza quanto às rotas de saída do acampamento para nossas equipes e civis nos deixam com poucas opções”, acrescenta Yahya Kalilah.

Abrigando cerca de 500 mil pessoas, o acampamento de Zamzam recebeu recém-chegados fugindo de Abu Zerega, Shagra e Saluma, que agora estão alojados em escolas, prédios comunitários ou sob as árvores ao relento.

Essas pessoas relataram às nossas equipes que vivenciaram ou viram moradias incendiadas, saques, violência sexual, assassinatos, agressões e outros abusos em vilarejos e estradas de El Fasher. Centenas de famílias também chegaram a Tawila, às vezes descalças depois de deixar tudo para trás e escapar de uma violência terrível no caminho.

MSF está profundamente preocupada com a segurança de sua equipe e das centenas de milhares de pessoas no acampamento de Zamzam. Pedimos às Forças de Apoio Rápido, às Forças Conjuntas e a todos os agentes armados na área para que protejam os civis e permitam que aqueles dispostos a fugir possam fazê-lo ilesos.
Em Darfur do Norte, continuamos a realizar atividades de emergência em Tawila, enquanto buscamos todas as maneiras possíveis de ajudar as pessoas em Zamzam e em El Fasher sem expor nossa equipe a níveis de risco inaceitáveis.
Em Darfur Ocidental, Central e do Sul, e em outras partes do país, nossas equipes continuam respondendo à catastrófica crise de desnutrição e de saúde impulsionada por um conflito implacável, por obstruções contínuas das partes em confronto e exacerbada por uma resposta humanitária falha.
MSF reitera seu apelo para ampliar drasticamente a prestação de assistência nos muitos lugares onde ela ainda é possível. As partes em conflito devem conceder acesso desimpedido à entrega de ajuda. Aliados e Estados influentes precisam usar sua influência para aliviar os obstáculos que estão causando mortes e fome.

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