Terremotos no Afeganistão: “Perdi quase toda a minha família mais próxima”, leia relatos de sobreviventes

MSF oferece apoio aos sobreviventes dos três terremotos que destruíram vilarejos inteiros na província de Herat, deixando mais de 2 mil pessoas mortas.

Equipe de MSF caminhando sobre os escombros de casas no vilarejo de Sanjaib, distrito de Injil, província de Herat. © Paul Odongo/MSF

Três fortes terremotos atingiram a província de Herat, na parte ocidental do Afeganistão, entre os dias 7 e 15 de outubro, assim como tremores secundários de intensidades variadas. As autoridades locais estimam que cerca de 2 mil pessoas morreram, mas os números ainda podem mudar.

No Hospital Regional de Herat, onde Médicos Sem Fronteiras (MSF) mantém atividades regulares no departamento de pediatria, doamos kits para atendimento de vítimas em massa e montamos um total de 10 tendas para acomodar os feridos e seus cuidadores. Nos primeiros dias, cerca de 540 feridos foram tratados no hospital. Após o segundo terremoto, ocorrido no dia 11 de outubro, foram atendidos outros 126 feridos e, após o terremoto do dia 15 de outubro, 167.

A maioria dos pacientes tem ferimentos de leves a moderados. E o apoio à saúde mental continua a ser uma necessidade urgente. Muitas pessoas perderam membros da família, suas casas e pertences e, em algumas circunstâncias, estão entre os únicos sobreviventes de seus vilarejos. Equipes de MSF têm visitado algumas das áreas mais afetadas fora da cidade de Herat para avaliar as necessidades médicas, incluindo o distrito de Zinda Jan.

Leia a seguir os relatos de alguns dos sobreviventes do terremoto:

Acordei com pessoas retirando tijolos de cima do meu corpo e de cima da minha família (…) A minha filha de 3 anos de idade morreu.”

– Rabieh Jamali, sobrevivente dos terremotos.

Rabieh Jamali perdeu a filha de 3 anos no terremoto. © Paul Odongo/MSF

Rabieh Jamali vivia no vilarejo Seya Hab, no distrito de Zinda Jan, que foi destruído pelo terremoto. Ela está abrigada no complexo hospitalar com o seu pai, Gul Mohamed, e outros sobreviventes de sua família. Rabieh sofreu ferimentos na perna, na cabeça e nas costas. Quando ela conversou com a equipe de MSF, a família estava no hospital há cinco dias. Eles já haviam recebido alta, mas precisaram permanecer nas tendas porque não tinham lugar seguro para onde ir.

“Quando ocorreu o primeiro terremoto, tínhamos acabado de almoçar, e o meu marido e a minha filha tinham saído para a rua. Foi então que ouvimos um barulho alto, sentimos alguns tremores e tudo ficou preto. Acordei com pessoas retirando os tijolos de cima do meu corpo e de cima da minha família. No momento que começaram os tremores, estavam seis pessoas na sala. A minha filha de 3 anos de idade morreu.

Fui levada de helicóptero do vilarejo para um hospital militar, onde passamos uma noite antes de sermos trazidos para cá [Hospital Regional de Herat]. O meu filho Amaleh, de 7 anos de idade, não está em boas condições de saúde e estou preocupada. Ele foi internado em uma das enfermarias, e o meu pai foi vê-lo. Amaleh perdeu a maior parte dos dentes, e teve ferimentos na boca e na língua. O nariz foi partido e a cabeça ficou gravemente ferida.

O hospital nos deu alta para irmos para casa, mas para onde é vamos voltar? Agora não temos nada. Todas as casas do nosso vilarejo foram destruídas. As pessoas têm vindo para as tendas e nos entregam copos, frascos e cobertores. Mas nós precisamos de uma tenda ou de uma casa.”

Quando recuperei a consciência, já estava na maternidade. Tentei lembrar do que tinha acontecido. Foi também nessa altura que soube que tinha perdido o meu bebê.”

– Shamaeil, sobrevivente dos terremotos.

Shamaeil ficou ferida no terremoto e acabou perdendo o bebê que esperava. © Paul Odongo/MSF

Hassan Mirzaie e a mulher, Shamaeil, são do vilarejo de Naieb Rafi, no distrito de Zinda Jan. Eles estão abrigados na tenda hospitalar com a filha de 2 anos de idade e a mãe de Hassan. Ele estava trabalhando quando o terremoto de 7 de outubro destruiu a sua casa. Shamaeil ficou ferida quando a parede da casa desabou sobre ela, que fraturou a perna e machucou as costas. Shamaeil estava grávida, e o parto aconteceria em breve, mas ela acabou perdendo o bebê em razão do evento.

Shamaeil: “A minha filha estava coberta de escombros, mas felizmente não ficou ferida. Ficamos presas. Quando nos tiraram de debaixo dos escombros, eu estava sangrando e perdi a consciência. Me disseram que nos trouxeram para o hospital de helicóptero.

Quando recuperei a consciência, já estava na maternidade. Tentei lembrar do que tinha acontecido. Inicialmente, pensei que só a minha casa tinha sido danificada, mas depois a minha mãe e alguns familiares me disseram que todo o vilarejo tinha sido arrasado. Foi também nessa altura que soube que tinha perdido o meu bebê.

Muitas pessoas morreram no terremoto: o meu tio, o meu sobrinho, os meus vizinhos e tantos outros familiares que nem consigo começar a contar. Também perdemos o nosso gado.”

Hassan Mirzaie e a filha dentro de uma das tendas de MSF no Hospital Regional de Herat, onde as vítimas do terremoto estão recebendo tratamento. © Paul Odongo/MSF

Hassan: “Quando o helicóptero chegou, levou a minha mulher e a minha filha. Eu vim mais tarde de ambulância. Descobri que tinham sido trazidas para essa tenda. Ainda não nos disseram quando é que ela pode sair do hospital, mas, de qualquer modo, não temos casa para onde voltar. No momento, a minha mulher dorme na tenda com um membro da família e a minha filha, e eu durmo aqui fora.

Precisamos de cobertores, tapetes, uma tenda e uma casa. Com a chegada do inverno, precisaremos de gás ou de um fogão para aquecer a nossa casa, para estarmos seguros e quentes.”

Recebi um telefonema do meu irmão. Ele estava chorando e me disse para voltar para casa, pois tínhamos perdido muitos familiares.”

– Farhah Din Malik perdeu a filha e outros familiares no terremoto.

Farhah Din Malik e sua filha dentro de uma das tendas de MSF no Hospital de Herat, onde quatro membros de sua família estão recebendo tratamento. © Paul Odongo/MSF

Farhah Din estava trabalhando no Irã quando recebeu a notícia do terremoto por meio de seu irmão. Ele partiu imediatamente para junto da família. A viagem demorou dois dias. Quando relatou sua história, ele estava na tenda de MSF com a mulher, Madina*, a irmã, a cunhada e outro parente.

“Cheguei aqui ontem [quarta-feira, 10 de outubro] e estou acompanhando quatro familiares. Há nove meses que trabalho no Irã como guarda. No sábado, 7 de outubro, tinha acabado de acordar depois do meu turno da noite e estava me lavando antes da oração, quando recebi um telefonema do meu irmão. Ele estava chorando e me disse para voltar para casa, pois tínhamos perdido muitos membros da nossa família. Quando perguntei quem, ele começou a contar: a minha mãe, a minha filha de nove meses, a minha irmã e a sua filha de 3 anos de idade. Me disse que todo o vilarejo tinha desabado. ‘Por favor, corra’, disse ele. Comecei a chorar.

Comecei a procurar um táxi que me levasse a Teerã, capital iraniana, onde pegaria um carro para o Afeganistão. Demorei dois dias na viagem. Cheguei por volta das onze horas da noite e fui diretamente para o vilarejo. Não encontrei nada além de escombros. Passei a noite lá e vim para o hospital na manhã seguinte.

Quando cheguei ao hospital, me dirigi ao balcão de registro, disse o nome dos meus familiares e fui encaminhado para cá. Encontrei o meu irmão, nos abraçamos e choramos. Depois vim ver a minha esposa e a minha irmã.”

Madina*: “Estávamos em casa quando ocorreu o terremoto. O teto caiu e ficamos soterrados. O meu bebê de 9 meses de vida estava no quarto, no seu berço, e morreu debaixo dos escombros.

Tenho pontos na cabeça e dores nas costas. Fomos trazidos para o hospital por um helicóptero. Hoje, os médicos anotaram o meu nome e disseram que querem me dar alta, mas não sei para onde ir. A nossa maior necessidade neste momento é uma casa. O inverno é extremamente rigoroso no nosso vilarejo, e uma tenda não é capaz de nos proteger.”

Gritei, e as pessoas me puxaram para fora. As minhas irmãs já estavam todas mortas quando foram retiradas de debaixo dos escombros.”

– Sangin, sobrevivente do primeiro terremoto.

Sangin recebeu tratamento para seus ferimentos na tenda de MSF no hospital de Herat. Quatro de suas irmãs morreram no terremoto. © Paul Odongo/MSF

Sangin é do vilarejo de Naieb Rafi, no distrito de Zinda Jan. Ele quebrou o braço e torceu o ombro no terremoto do dia 7 de outubro. As suas quatro irmãs morreram. Antes do terremoto, Sangin estava economizando para se casar – ele havia ficado noivo recentemente.

“Eram cerca de 11h30 quando sentimos um vento forte e o chão tremeu, fazendo ruir todo o vilarejo. Apenas algumas pessoas sobreviveram, e eu ainda estou pensando se tive sorte em estar entre elas.

Naquela manhã, eu estava trabalhando fora e tinha ido para casa almoçar com a minha mãe e as minhas quatro irmãs. Quando estava prestes a sair, aconteceu o terremoto. Quis correr para fora, mas fiquei preso quando a parede caiu em cima de mim. As minhas irmãs ouviram a minha voz e, quando tentaram fugir, o telhado caiu em cima delas.

Gritei, e as pessoas me puxaram para fora. As minhas irmãs já estavam todas mortas quando foram retiradas de debaixo dos escombros. Perdi a consciência e, quando acordei, estava no hospital com um curativo e um cateter intravenoso na mão. Foi então que percebi o que realmente tinha acontecido. Ainda ouço os tremores na minha cabeça.

Para além das minhas irmãs, também perdi dois tios e uma tia. Os meus amigos, familiares e vizinhos, todos eles perderam pessoas. Todos com quem falamos perderam muitos familiares. Só uma das minhas irmãs sobreviveu porque, no momento do terremoto, estava na cidade de Herat.

Me sinto só. Perdi quase toda a minha família mais próxima. Não sei o que fazer. Preciso de dinheiro para sobreviver, preciso casar e construir uma casa. Estou deprimido. A minha mãe está em uma das alas [do hospital], mas não sei qual. O meu pai estava no Irã quando tudo aconteceu, e nunca mais o vi. Não sei onde ele está.

Ainda não me disseram quando é que os médicos irão me liberar, mas mesmo que tenha alta, não tenho casa para onde ir. Um amigo me disse que lhes deram tendas. Mas, como pode ver, não consigo trabalhar e preciso de muito apoio. Preciso de alimentos e de uma casa.

A devastação que o terremoto causou é tudo o que vejo. Não consigo tirar isso da minha cabeça, por mais que tente.”

Perdemos tudo e não temos nada pelo que viver.”

– Abdul Salaam, sobrevivente dos terremotos.

Abdul Salaam* é do vilarejo de Sanjaib no distrito de Injil. Ele fala sobre o que aconteceu depois dos terremotos, sobretudo do segundo, no dia 11 de outubro.

“O primeiro terremoto destruiu tudo nos vilarejos vizinhos e matou muitas pessoas, mas nos poupou. No entanto, o segundo terremoto destruiu todas as nossas casas. Felizmente, ninguém morreu em nosso vilarejo, porque estávamos todos dormindo na rua quando os tremores começaram. Algumas pessoas ficaram feridas. A perna da minha irmã, por exemplo, quebrou, e ela está recebendo tratamento na cidade de Herat.

Perdemos tudo e não temos nada pelo que viver. Perdemos o nosso gado, os nossos pertences e a nossa casa. Estamos tentando recuperar tudo o que podemos.”

*Nomes alterados.

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