Tratando a tuberculose em crianças: “Foi um alívio acabar com as injeções diárias terrivelmente dolorosas”

Em Histórias de MSF, Zulfiya Dustmatova, médica da organização, compartilha sua experiência e os avanços no tratamento de crianças com tuberculose resistente a medicamentos.

Zulfiya Dustmatova, médica de MSF no Tadjiquistão. © Jasňa Riegerová/MSF

A médica Zulfiya Dustmatova trabalha com Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Tadjiquistão, onde nossas equipes atuam com o Ministério da Saúde e Proteção Social para diagnosticar e tratar crianças com tuberculose resistente a medicamentos (TB-DR).

MSF começou a tratar crianças com TB-DR no Tadjiquistão 2011. Naquela época, não tínhamos formulações pediátricas dos medicamentos, então tínhamos de dividir os comprimidos destinados a adultos pela metade ou às vezes em pedaços maiores. Estávamos preocupados com o efeito de dar às crianças doses maiores ou menores dos medicamentos com esse método, mas não tínhamos escolha.

 

 

As crianças precisavam tomar cerca de cinco a seis medicamentos todos os dias, além de injeções diárias muito dolorosas durante vários meses. Os efeitos colaterais desses medicamentos eram muitas vezes quase insuportáveis. Lembro de uma menina de 14 anos de idade que escondia seus medicamentos, por medo dos efeitos colaterais. Sua condição se agravou e ela acabou morrendo. Quando as crianças apresentavam sintomas de efeitos colaterais desses medicamentos, como alucinações e surdez, MSF intervinha rapidamente para eliminá-los.  No passado, os pais com frequência se recusavam a aderir os filhos ao tratamento, para evitar que eles sofressem os efeitos colaterais.

 

Atendimento centrado na comunidade

Desde o início, adotamos uma abordagem abrangente para o tratamento de crianças, concentrada no atendimento baseado na comunidade. As crianças são cuidadas e tratadas em casa o máximo possível e, por isso, podem se beneficiar do apoio da família e de enfermeiros treinados que trabalham na comunidade. Isso ajuda as crianças a dar continuidade ao longo e desafiador tratamento.

Bibisoleha, paciente com tuberculose multirresistente atendida por MSF em 2021. Sua mãe, Surayo, recebeu treinamento para auxiliar no tratamento dela e do irmão, também infecctado pela doença, em casa ©Jasňa Riegerová/MSF

Em 2014, começamos a usar alguns medicamentos para TB em forma de xarope. Isso facilitou o tratamento de crianças mais novas, que geralmente têm dificuldade para engolir comprimidos, e também permitiu que conseguíssemos uma dosagem precisa. Entretanto, nem todos os medicamentos necessários estavam disponíveis na forma de xarope e, os que estavam, não tinham um prazo de validade longo e precisavam de refrigeração. Nem todos os pacientes tinham refrigeradores em casa para manter os xaropes na temperatura correta. Mas, ainda assim, foi um avanço em relação às opções que tínhamos quando começamos a fornecer o tratamento para crianças.

Após a realização de estudos de viabilidade, prescrevemos a bedaquilina* para uma criança no final de 2015, usando os comprimidos adultos triturados. A delamanida** veio em seguida, em 2016. O uso desses dois medicamentos significou que, por fim, poderíamos parar de usar injeções para tratar crianças. Foi um grande alívio poder acabar com as injeções diárias de medicamentos terrivelmente dolorosas para elas.

O desenvolvimento de medicamentos para TB em formulação pediátrica na forma dispersível, ou seja, que se desintegra rapidamente em contato com um líquido, marca a mais recente tentativa de melhorar o tratamento para crianças. As vantagens são que os comprimidos podem ser dissolvidos em uma pequena quantidade de água – vários medicamentos em um único copo, se necessário – e praticamente não tem sabor em comparação com os xaropes, muitas vezes amargos. Também não há desafios de armazenamento ou necessidade de refrigeração.

Hoje, no Tadjiquistão, temos cerca de quatro ou cinco medicamentos disponíveis nessa forma, e eles tornaram o tratamento muito mais fácil e tolerável para as crianças. Cerca de metade dos medicamentos que as crianças tomam diariamente agora está na forma dispersível.

E para o futuro? Embora sejam bem-vindas quaisquer melhorias adicionais nos medicamentos contra a TB para crianças, também devemos nos concentrar em enfrentar os desafios que existem para diagnosticar crianças com a doença. Em nosso projeto, mais de 50% das crianças tratadas foram diagnosticadas por meio do rastreamento de contatos. Sem isso, não conseguiremos controlar essa doença que continua a ceifar muitas vidas jovens desnecessariamente.

Atuação de MSF

Desde 1997, Médicos Sem Fronteiras (MSF) tem desempenhado um papel crucial na luta contra a tuberculose (TB) no Tadjiquistão, onde nossas equipes se concentram em fornecer cuidados de saúde abrangentes para crianças e adultos, visando reduzir a incidência e a taxa de mortalidade pela doença.

Através de iniciativas inovadoras como a terapia diretamente observada pela família (F-DOT), MSF buscou melhorar a adesão dos pacientes ao tratamento. No distrito de Kulob, conduzimos o projeto “Zero TB”, onde lançamos o estudo SMARRTT, que consiste em regimes de tratamento totalmente orais de seis meses para tratamento de TB resistente à rifampicina.

Isso ocorreu após a conclusão bem-sucedida do estudo clínico TB-PRACTECAL, liderado por MSF, e das recomendações mais recentes da OMS sobre regimes de tratamento totalmente orais e mais curtos para pessoas com tuberculose resistente a medicamentos.

 

* A bedaquilina é o principal medicamento recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para tratamento contra a tuberculose resistente a medicamentos. Ela permite um tratamento melhor, mais curto, mais tolerável e mais eficaz para pessoas com essa forma da doença.

** A delamanida é usada em combinação com outros medicamentos para tratar pessoas com tuberculose resistente a medicamentos, incluindo a forma mais difícil de tratar da doença: a tuberculose ultrarresistente a medicamentos (TB-XDR).

 

 

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