Três perguntas sobre a vida dos rohingyas em Bangladesh

Sem perspectivas de futuro, refugiados rohingyas precisam fazer escolhas difíceis

Três perguntas sobre a vida dos rohingyas em Bangladesh

Há atualmente cerca de 860 mil refugiados rohingyas em Bangladesh. A maioria deles mora no distrito de Cox’s Bazar. As atividades que Médicos Sem Fronteiras (MSF) realiza para esses refugiados estão concentradas no chamado “mega acampamento”, uma grande junção de 26 acampamentos. Nos últimos anos, cercas de arame farpado foram erguidas. As condições de vida dos refugiados continuam se deteriorando devido às medidas da COVID-19, entre outros fatores. Bernard Wiseman é o coordenador-geral de MSF em Cox’s Bazar, Bangladesh, e descreve o difícil dilema que os rohingyas enfrentam por lá.

Como é a vida nos acampamentos?
Houve uma forte deterioração das condições de vida nos acampamentos de refugiados nos últimos 12 meses. A presença de policiais e militares aumentou; ao mesmo tempo, os grupos armados expandiram sua base de poder nesses locais. Como resultado, temos ouvido falar de mais sequestros, violência e extorsão.

A chegada da COVID-19 resultou em mais restrições à liberdade de movimento dos refugiados e ao acesso aos acampamentos para grupos humanitários internacionais. Em 2020, os serviços dentro dos acampamentos foram reduzidos ao básico e algumas organizações tiveram que parar sua atuação por completo. Nos primeiros meses, nossas equipes tiveram acesso limitado, o que levou a uma redução na quantidade e variedade de serviços de saúde que podíamos oferecer à população rohingya.

Os rohingyas enfrentam cada vez mais um terrível dilema. Muitos estão ficando cada vez mais desesperados e desesperançosos à medida que as condições no acampamento continuam a se deteriorar, o que os leva a fazer escolhas arriscadas. Para escapar, alguns optam por fazer a perigosa jornada em barcos de tráfico de pessoas que partem para a Malásia, e outros se inscrevem para serem realocados na remota ilha de Bhasan Char, apesar de todas as dúvidas sobre seu futuro por lá.

O que você pode nos contar sobre a ilha de Bhasan Char?
A ilha de Bhasan Char é uma faixa de areia no meio do Golfo de Bengala. Ela não existia até 2006 e nunca foi habitada. Após a crise de refugiados de 2017, as autoridades de Bangladesh imaginaram Bhasan Char como um lugar para realocar alguns dos quase um milhão de refugiados que chegaram de Mianmar. Cerca de 14 mil refugiados foram realocados para lá desde dezembro de 2020, enquanto o governo eventualmente planeja realocar aproximadamente 100 mil pessoas. No entanto, permanecem questões sobre a adequação e sustentabilidade da ilha: ela está localizada a cerca de 60 km do continente e o único meio de transporte disponível para o continente é um serviço administrado pelos militares de Bangladesh.

Atualmente, há cerca de 20 ex-pacientes de MSF na ilha e ainda mantemos contato com eles. A primeira reação deles às condições de vida na ilha foi, de moro geral, positiva. Não é difícil entender o porquê: os prédios são de concreto com telhados de metal, o que certamente é uma melhoria em relação às pequenas estruturas de barro e bambu em que viviam nos últimos três anos.

Quais são as preocupações de MSF sobre as realocações para Bhasan Char?
Do ponto de vista médico, estamos muito preocupados. Entendemos que somente os cuidados de saúde primários muito básicos estão sendo fornecidos por Ongs locais. Pelo que sabemos, serviços de saúde secundários e especializados não estão disponíveis. Não sabemos como os pacientes que precisam de atendimento médico de emergência são transferidos da ilha para o hospital, visto que fica a três horas de barco do continente. Houve muito pouco engajamento com refugiados rohingyas ou provedores de saúde nos campos de Cox’s Bazar para discutir como garantir o acesso a cuidados médicos na ilha. Estamos tentando estabelecer redes de encaminhamento para garantir a continuidade do atendimento aos nossos ex-pacientes portadores de doenças crônicas, que necessitam de acompanhamento contínuo e medicamentos.

No geral, a situação de Bhasan Char é um sintoma da deterioração mais ampla das condições de vida nos acampamentos de refugiados em Bangladesh e é apenas um dos muitos problemas que os rohingyas enfrentaram durante décadas – uma provação que inclui violência sancionada pelo Estado, perseguição, discriminação e a negação de seus direitos básicos.

A mudança para Bhasan Char é uma consequência do fracasso da comunidade internacional em fornecer uma solução para o que se tornou uma prolongada crise de refugiados. Até que uma solução de longo prazo seja colocada em prática, continuaremos a ver políticas que procuram restringir e conter os refugiados e prolongar a natureza “temporária” e insustentável da situação em curso para os refugiados rohingyas.

 

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