Três questões para entender a crise causada pela violência em Ituri, na República Democrática do Congo

Pessoas deslocadas na província enfrentam falta de acesso à alimentação e à saúde.

 Desde o início de 2023, o território de Djugu, na província de Ituri, República Democrática do Congo (RDC), tem enfrentado intensa violência intercomunitária e confrontos armados, o que forçou cerca de 156 mil pessoas a fugir de suas casas. Essa é a mais recente onda de violência em um conflito que já dura décadas, que contabiliza 700 mil pessoas deslocadas dentro do território de Djugu e 1,7 milhão em toda a província de Ituri.

A população está encurralada, sem saída, há anos. Vítimas de várias imposições, as comunidades são expostas à extrema violência intercomunitária, o que causa um grande impacto na saúde mental das pessoas e no acesso a cuidados médicos. Quando há ataques ou ameaças nas proximidades das instalações de saúde, os pacientes e a equipe médica precisam abandonar os locais.

Em algumas partes da zona de saúde de Drodro, as equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) estão quase sozinhas para responder às necessidades médicas das pessoas. Confira três questões para entender a crise na região:

 

  1. Ciclos recorrentes de violência traumatizaram a população

Tiros ressoam das proximidades do hospital de Drodro, a cerca de 2 km de distância. O pânico se instaura. Algumas horas antes, houve confrontos na rota norte, a poucos quilômetros de distância.

“Eu estava na cama do hospital com meu bebê quando as outras mães vieram até nós e disseram: ‘Temos que sair, há tiros’”, disse Joécie, mãe de Salomon, de 17 meses de vida, que estava sendo tratado com desnutrição grave e anemia. “As pessoas corriam em pânico. Sem pensar mais, embrulhei meu bebê em um cobertor e saí. Mas, em pânico, esqueci algumas das minhas coisas: os registros médicos e meus utensílios de cozinha”.

Joécie decidiu voltar para o hospital com seu filho mais tarde, naquela noite. “Meu filho estava muito doente”, disse ela.

“Ele estava com febre, e não tínhamos nada para comer. Eu não tinha escolha a não ser voltar. Foi uma noite difícil – eu estava em pânico e mal dormi”.

– Joécie, mãe de Salomon, bebê que estava sendo atendido no hospital de Drodro.

Foto: Michel Lunanga/MSF

A violência crônica e o medo da intensificação dessa situação deixaram as pessoas na área com profundas cicatrizes psicológicas por gerações. Muitas têm medo de acessar instalações médicas, pois consideram-se alvos potenciais e sentem-se inerentemente inseguras. Alguns pacientes só procuram atendimento em uma emergência extrema.

Essa é a terceira vez desde o início do ano que instalações médicas na zona de saúde de Drodro foram abandonadas após confrontos nas proximidades.

 

  1. A insegurança dificulta diretamente o acesso aos cuidados de saúde

Atualmente, apenas oito das 16 unidades médicas na zona de saúde de Drodro estão funcionando. Para continuar a fornecer assistência imparcial, MSF está se esforçando para responder de forma equitativa às necessidades e prestar cuidados a cada uma das comunidades.

No entanto, a violência crônica e os deslocamentos sucessivos estão interrompendo as atividades médicas.

Em resposta, MSF implementou recursos adicionais em várias unidades de saúde, com o objetivo de facilitar o acesso a cuidados médicos para o maior número possível de pessoas, em apoio ao Ministério da Saúde do país.

Posto de saúde no campo de Rho. Foto: Michel Lunanga/MSF

Por exemplo, a clínica móvel criada no campo para pessoas deslocadas de Rho foi originalmente destinada a fornecer cuidados básicos de saúde e encaminhar pacientes que necessitam de serviços mais especializados para o hospital de Drodro. Porém, desde o início do ano, a população do campo de Rho, onde a maioria das organizações humanitárias está concentrada, quase dobrou – de 35 mil para quase 70 mil pessoas. Diante dessa situação, MSF transformou a clínica em um posto de saúde avançado e fortaleceu sua capacidade.

As equipes de MSF também estão reabilitando o centro de saúde em Blukwa ‘Mbi – onde um grande número de pessoas deslocadas vive com famílias locais – para transformá-lo em um centro de referência que pode fornecer cuidados médicos especializados.

 

  1. Enormes necessidades humanitárias exigem uma intensificação da assistência

Muitas vezes ignoradas pela mídia e sem atenção política ou internacional, as 1,7 milhão de pessoas deslocadas na província de Ituri precisam urgentemente de assistência humanitária, incluindo alimentação, água potável, saneamento adequado, abrigo, educação e saúde.

“A maioria de nós não come todos os dias, nem mesmo as crianças”.

– Micheline, moradora de Gokpa, na província de Ituri.

Foto: Michel Lunanga

Muitas pessoas na região sentem que foram abandonadas e têm muito pouco do que precisam para sobreviver, especialmente em termos de alimentação. A insegurança crônica impossibilita que as pessoas alcancem seus campos e cuidem das lavouras – a principal atividade econômica da região.

“O que mais me preocupa hoje é o acesso à comida”, diz Micheline. “A maioria de nós não come todos os dias, nem mesmo as crianças. Não é período de colheita agora, então não há nada. Não há nem mesmo água potável de fácil acesso”. Conhecida dentro de sua comunidade como “líder das mães”, desde o início do ano Micheline acolheu 10 pessoas deslocadas em sua casa, que já abrigava oito pessoas.

 

As equipes de MSF fornecem cuidados de saúde no hospital geral de Drodro e em dois centros de saúde, dois postos de saúde avançados e seis locais de saúde comunitários na zona de saúde de Drodro, em colaboração com o Ministério da Saúde.

MSF oferece cuidados médicos gerais, com ênfase nos serviços pediátricos, incluindo tratamento para desnutrição, malária e infecções respiratórias. As equipes também prestam serviços de saúde mental, planejamento familiar e atendimento a sobreviventes de violência sexual.

Desde o início de 2023, as equipes de MSF na zona de saúde de Drodro forneceram 25.630 consultas médicas, trataram 850 crianças com desnutrição, forneceram 435 sessões de saúde mental e assistiram a 165 sobreviventes de violência sexual.

 

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