Violência dificulta acesso a cuidados de saúde em Porto Príncipe, no Haiti

MSF atua com clínicas móveis para atender pessoas que enfrentam dificuldades de se locomover devido à insegurança na capital haitiana.

Diana Manilla (coordenadora do projeto de MSF) orienta a equipe de MSF antes de iniciar as atividades da clínica móvel. Foto: Alexandre Marcou/MSF

Em Porto Príncipe, capital do Haiti, pessoas em situação de vulnerabilidade estão presas em um ciclo de violência e insegurança contínuas, vivendo sob a ameaça de balas perdidas e sequestros, assim como precariedade econômica. Médicos Sem Fronteiras (MSF) administra clínicas móveis quase diariamente para tratar centenas de pessoas que permanecem encurraladas em seus bairros.

Uma série de grandes eventos políticos, sociais e econômicos resultaram em uma crise humanitária complexa e com muitas camadas no Haiti. O acesso a serviços essenciais, incluindo cuidados médicos e de saúde mental e serviços de água e saneamento, está gravemente comprometido em Porto Príncipe, especialmente nos bairros mais afetados pela violência.

Os conflitos entre grupos armados rivais tornam difícil para as pessoas se moverem livremente pela cidade, e grande parte da população vive em extrema precariedade.

Moradores de um bairro afetado pela violência no centro de Porto Príncipe esperam para serem atendidos na clínica móvel organizada por MSF. Foto: Alexandre Marcou/MSF

Levando cuidados de saúde para perto dos pacientes

Pelo menos quatro vezes por semana, três veículos de MSF transportam materiais médicos, além de uma equipe multidisciplinar composta por médicos, enfermeiros, psicólogos, promotores de saúde, obstetrizes e especialistas em serviços de água para atender pacientes em áreas afetadas pela violência urbana no centro de Porto Príncipe.

“Clínicas móveis são necessárias em um contexto como o de Porto Príncipe”, explica Michele Trainiti, coordenador-geral de MSF no Haiti. “Em alguns dos bairros mais afetados pela violência, as instalações de saúde estão fechadas. Estruturas de saúde parcialmente funcionais são difíceis de alcançar e inacessíveis para muitos”.

As pessoas têm muito medo de viajar devido à violência e à insegurança, incluindo os altos riscos de balas perdidas.

 

“Eu vi muitos pacientes sofrendo de ansiedade, depressão, com distúrbios do sono ou hipervigilância.”

– Camille Dormetus, psicólogo de MSF no Haiti.

 

As opções de transporte também são limitadas, e as instalações públicas de saúde muitas vezes enfrentam escassez regular de profissionais, medicamentos e suprimentos. Mesmo quando as pessoas são capazes de superar todas as barreiras para chegar a um centro de saúde, elas podem não receber os cuidados dos quais precisam.

“Embora não sejam perfeitas, as clínicas móveis são flexíveis e adaptáveis. Elas nos permitem aproximar os cuidados de saúde dos pacientes em partes da cidade afetadas pela violência. Podemos, portanto, superar algumas das barreiras que as pessoas enfrentam no acesso aos cuidados de saúde”, diz Trainiti.

Nos primeiros quatro meses de 2023, as equipes móveis de MSF trataram um total de 7.781 pacientes e distribuíram mais de 300 mil litros de água potável nas áreas de Delmas, Bel-Air e Bas Bel-Air, onde as pessoas foram particularmente afetadas pela violência. Outros 300 mil litros de água potável e 607 kits de higiene foram distribuídos à população deslocada pela violência nos bairros de Fort National e Poste Marchand, em fevereiro.

 

O impacto da violência

A violência que as pessoas enfrentam e testemunham tem um impacto significativo na saúde mental. “O som de balas, o medo de ser atacado por grupos armados, a morte de familiares… tudo isso faz parte da situação traumática vivida por nossos pacientes”, diz Camille Dormetus, psicólogo de MSF na clínica móvel.

“Eu vi muitos pacientes sofrendo de ansiedade, depressão, com distúrbios do sono ou hipervigilância. Alguns deles consumindo substâncias psicoativas para escapar da realidade”, conta Dormetus.

“Eu costumo atender cerca de 50 a 70 pacientes em um dia, principalmente mulheres jovens para infecções sexualmente transmissíveis, mulheres em idades avançadas para dor crônica e hipertensão, e crianças pequenas com infecções respiratórias”, diz dr. Engleed Emeran, que também trabalha com a equipe da clínica móvel.

A equipe médica também trata inúmeros casos de sarna, a morbidade mais comum observada em todas as clínicas. A sarna é uma condição dermatológica contagiosa, causada por pequenos ácaros que se enterram na pele. Ela é um sinal de uma situação de vida com condições insalubres. A sarna é especialmente comum em partes da cidade onde o acesso à água é limitado e as instalações sanitárias são inadequadas.

Um promotor de saúde de MSF explica as causas da sarna e como impedir que as pessoas contraiam a doença na clínica móvel organizada por MSF. Foto: Alexandre Marcou/MSF

“Através de nossas clínicas móveis, fornecemos cuidados médicos primários juntamente com informações em saúde e encaminhamos pacientes com casos mais complicados para outras estruturas de saúde. Também fornecemos água potável e reparamos instalações sanitárias onde esses serviços existem. Estamos sempre analisando qual assistência adicional podemos fornecer, mas as necessidades são grandes demais”, diz Trainiti.

Adaptando-se à mudança das necessidades

As clínicas móveis de MSF foram suspensas de setembro a dezembro de 2022, em parte devido ao Peyi Lòk (protestos em massa) e também por conta do surto de cólera que assolou o país. No início da epidemia, as equipes de clínicas móveis foram realocadas para responder ao surto, estabelecendo novas instalações de tratamento e outras medidas baseadas nas comunidades.

Entre outubro de 2022 e abril de 2023, MSF tratou mais de 16.829 pacientes em colaboração com as autoridades haitianas. Embora as clínicas móveis estejam funcionando novamente, elas estão fazendo isso em um momento em que os níveis de violência estão extremamente altos, tornando a flexibilidade contínua uma prioridade.

MSF trabalha no Haiti há 30 anos, oferecendo assistência médica gratuita e de qualidade para a população haitiana e continua comprometida com o apoio prestado. Em 2022, nossas equipes móveis realizaram 17.800 consultas.

 

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