República Centro-Africana: 10 anos de violência

Em março de 2013, o grupo rebelde Seleka tomou o poder em Bangui, capital da República Centro-Africana (RCA). O evento marcou o início da terceira guerra civil no país e transformou as vidas de milhares de pessoas em um cotidiano de medo.

O conflito na RCA já dura dez anos – uma década de um país imerso em violência. Durante esse período, populações no país foram perseguidas, mortas e forçadas ao exílio.

Acompanhe a linha do tempo da atuação de Médicos Sem Fronteiras (MSF) no país:

19972007

1997

Primeira resposta humanitária de Médicos Sem Fronteiras na República Centro-Africana 

Equipes de MSF oferecem cuidados maternos em Bangui, capital do país, e ajudam pessoas deslocadas e que fogem de países vizinhos. 

1997
2003

Golpe de Estado de François Bozizé 

Em 15 de Março de 2003, após meses de confrontos e violência contra a população, François Bozizé, ex-chefe do Estado Maior das Forças Armadas, e suas tropas depõem o então presidente Ange-Félix Patassé e tomam o poder em Bangui. Esse foi o sexto golpe de Estado desde a independência do país. 

2003
2004 – 2007

Primeira Guerra Civil 

Em 2005, Bozizé vence as eleições presidenciais após vários adiamentos. Novos grupos rebeldes se formam: o Exército Popular para a Restauração da República e da Democracia (APRD, na sigla em inglês) no noroeste do país e, no nordeste, a União das Forças Democráticas para a Unidade (UFDR, na sigla em inglês). O exército intervém em 2006 e 2007 para apoiar o regime de Bozizé. A violência em massa irrompe, levando a deslocamentos populacionais. As equipes de MSF oferecem cuidados às vítimas e iniciam diversas atuações médicas de emergência em todo o país.

2004 – 2007

20082012

2008

Assinatura do Acordo de Libreville entre o governo e os grupos APRD e UFDR

Apesar do acordo, os conflitos logo recomeçam, e novos grupos armados aparecem. Em setembro, é aprovada uma lei de anistia para todos os crimes de guerra cometidos desde 1999. Em dezembro, um diálogo inclusivo reúne, em particular, todos os grupos armados, os partidos da oposição e o ex-presidente Patassé.

2008
Janeiro de 2011

Reeleição de François Bozizé como chefe do país 

A eleição, duas vezes adiada, termina com François Bozizé eleito no primeiro turno, à frente do ex-presidente Patassé e do ex-primeiro-ministro Martin Ziguélé. A oposição apontou fraudes e irregularidades na vitória de Bozizé 

Janeiro de 2011
Dezembro de 2011

MSF faz alerta sobre o estado de emergência médica no país. Os resultados dos inquéritos epidemiológicos realizados em diversas regiões apontam para um elevado nível de mortalidade, acima do ‘limiar de emergência’. Na cidade de Carnot, a taxa de mortalidade geral é estimada em 3,7 mortes por 10 mil pessoas por dia. Entre as crianças menores de 5 anos, esse número é de sete para 10 mil, o que significa que, em média, 35 crianças morreram todos os dias desde o início de 2011.  

Dezembro de 2011
Final de 2012

Vários grupos rebeldes, principalmente do norte do país, unem forças na coalizão Seleka. Eles lançam uma ofensiva e assumem o controle da maior parte da República Centro-Africana, saqueando e cometendo inúmeras atrocidades. Milhares de pessoas fogem para áreas de floresta ou para Bangui. Equipes de MSF iniciam atuações de emergência e mantêm as atividades hospitalares, principalmente em Ndélé, Kabo e Batangafo, três cidades afetadas pela violência. 

Final de 2012

20132014 

24 de março de 2013

Coalizão Seleka toma Bangui e derruba Bozizé 

Michel Djotodia se torna o presidente em abril. Isso marca o fim da segunda guerra civil na República Centro-Africana, entre 2012 e 2013, seguida muito rapidamente pelo início da terceira. Os confrontos em Bangui deixam muitos mortos e feridos, alguns dos quais foram tratados por profissionais de MSF no Hospital Comunitário. 

24 de março de 2013
Agosto de 2013

Desdobramento da Missão de Apoio Internacional para a República Centro-Africana (MISCA), liderada pela África  

O grupo Anti-balaka, formado por milícias de autodefesa de aldeias e por ex-militares, em sua maioria cristãos e animistas, se formam em oposição aos combatentes Seleka, a maioria deles muçulmanos. 

Agosto de 2013
5 de dezembro de 2013

Implantação da Operação Sangaris pela França, após a aprovação da Resolução 2127 do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a contenção do conflito e a proteção de civis. 

No mesmo dia, o Anti-balaka lança um ataque em Bangui que leva à guerrilha urbana e à violência extrema. O Hospital da Amizade é atacado, saqueado e pacientes são mortos.  

As nossas equipes viram cerca de dez pessoas mortas caídas em frente ao hospital [da Amizade] (…) Cerca de 260 feridos foram tratados entre os dias 5 e 8 de dezembro. A maioria tinha ferimentos à bala ou infligidos por facões e facas. Atualmente, pouco mais de 100 pessoas estão hospitalizadas”. 

MSF em comunicado à imprensa no dia 9 de dezembro de 2013.  

5 de dezembro de 2013
Janeiro de 2014

Renúncia de Michel Djotodia 

Catherine Samba-Panza é eleita pelo Parlamento, e um governo de transição é formado. Após a retirada das antigas forças do Seleka, que continuam a cometer saques e assassinatos, as milícias Anti-balaka têm como alvo as comunidades muçulmanas e encorajam ou lideram massacres. Isso marca o início de um êxodo em massa, principalmente na parte ocidental do país. Zonas de trânsito são criadas onde milhares de civis muçulmanos, esperando fugir, se encontram encurralados e ameaçados. 

Janeiro de 2014
1º de fevereiro de 2014

Violência intercomunitária em Carnot, no oeste do país 

Quase mil pessoas, a maioria muçulmanas, se refugiaram a partir março de 2014 na Igreja Católica de Carnot, cercadas e ameaçadas por grupos Anti-balaka. As equipes de MSF fornecem assistência médica no local e acompanham as pessoas que precisam ir ao hospital. 

  

“No dia 7 de fevereiro, um grupo ocupou uma casa na qual 86 pessoas deslocadas (adultos e crianças, todos muçulmanos) estavam escondidas: sete homens foram executados e três pessoas ficaram feridas, incluindo uma criança de 12 anos ferida com facões. … Em várias ocasiões, homens armados entraram no hospital da cidade onde atuamos, seja para matar pacientes, principalmente da etnia Peulh, ou para atacar os poucos deslocados que ali vivem. As equipes do hospital tiveram que intervir todas as vezes”. 

MSF em comunicado à imprensa em 11 de fevereiro de 2014. 

1º de fevereiro de 2014
Março de 2014

Entre dezembro de 2013 e março de 2014, equipes de MSF trataram mais de 4mil pessoas feridas em todo o país. 

Março de 2014
26 de abril de 2014

Dezesseis civis, incluindo três profissionais de MSF, são mortos por ex-membros armados do grupo Seleka durante um assalto no hospital de Boguila. Entre dezembro de 2012 e abril de 2014, equipes de MSF na República Centro-Africana passaram por 115 incidentes, incluindo 31 assaltos à mão armada.

26 de abril de 2014
Agosto de 2014

O Epicentre, núcleo de MSF dedicado à epidemiologia e pesquisa, publica um estudo realizado com refugiados centro-africanos em Sido, no Chade: 8% dos membros das famílias entrevistadas, isto é, 2.599 pessoas, morreram na República Centro-Africana ou durante o trajeto de saída do país. Em poucos meses, a metade ocidental do país foi esvaziada da maioria de seus habitantes muçulmanos.

Agosto de 2014

20152019

Maio de 2015

Fórum Nacional de Bangui 

A conferência leva a várias medidas relacionadas ao DDR (Desarmamento, Desmobilização e Reintegração), ao adiamento das eleições presidenciais e à extensão do mandato do governo de transição até o final do ano. A justiça e os mecanismos de reconciliação abrem o caminho, em particular para a criação do Tribunal Penal Especial para crimes de guerra cometidos desde 2003. A violência continua, com menor intensidade, inclusive em Bangui.

Maio de 2015
Fevereiro de 2016

Eleição de Faustin-Archange Touadéra 

Após a adoção de uma nova constituição em dezembro de 2015, o ex-primeiro-ministro Faustin-Archange Touadéra é eleito com 62% dos votos depois do segundo turno. 

Fevereiro de 2016
Outubro de 2016

Fim da Operação Sangaris 

A situação de segurança no norte e no leste do país se agrava novamente, após confrontos entre mais de 10 grupos armados, incluindo as facções Seleka e Anti-balaka, às vezes aliada uma à outra. Esses grupos ainda controlam uma grande parte do território do país e seus recursos, incluindo a exploração de minerais, corredores de transumância (a ação ou prática de mover o gado de um pasto para outro em um ciclo sazonal) e rotas comerciais, a partir de fortalezas como Ndélé, Bambari e Bria. Seus atos de violência alimentam um ciclo de vingança e represálias. 

 

“Conflitos ferozes eclodiram no sábado de manhã na cidade de Bangassou (…) Em poucas horas, MSF recebeu 21 pessoas feridas. Alguns dos habitantes fugiram da cidade, mas os demais estão barricados em suas casas ou encontraram refúgio em lugares que esperam estar seguros. Atualmente, é impossível ter uma ideia precisa do número de feridos, pois a intensidade do conflito impede qualquer movimento no centro da cidade”.  

MSF em comunicado à imprensa em 13 de maio de 2017. 

Outubro de 2016
19 de junho de 2017

Assinatura do Acordo de Paz de Sant’Egidio em Roma entre 13 grupos armados 

Os signatários se comprometem a “estabelecer um cessar-fogo imediato em todo o país”. No dia seguinte, porém, o conflito irrompe na cidade de Bria, onde coexistem vários grupos armados – incluindo as facções da FPRC, a UPC e as milícias Anti-balak – cada uma alegando estar defendendo os interesses de uma comunidade. 

  

“Tiros intensos começaram às 6 horas da manhã. Às 9h30, já havíamos recebido 35 pacientes feridos no hospital, a maioria com ferimentos à bala (…) Cerca de 41 mil pessoas, mais de 85% da população de Bria, fugiram de suas casas. A maioria dessas pessoas recém-deslocadas foi para o local PK3, onde esperam estar a salvo. O local foi equipado para 3 mil pessoas após os combates de novembro de 2016. Agora, abriga 25 mil”. 

MSF em comunicado à imprensa em 20 de junho de 2017. 

19 de junho de 2017
Abril – Maio de 2018

Dias de violência em Bangui 

No domingo, 8 de abril, uma operação conjunta da África Central e das forças de segurança internacionais visando grupos armados locais no distrito de PK5 – o centro econômico da cidade, habitado principalmente por muçulmanos – leva a confrontos que resultam em dezenas de vítimas. No dia 10 de abril, os conflitos retomam, e pessoas feridas são admitidas nas instalações de saúde da cidade. Entre esses dois dias, 64 pessoas, principalmente com ferimentos a bala, são tratadas por equipes de MSF no hospital SICA. Em 1º de maio, uma nova onda de violência abala a capital, particularmente os distritos de Fatima e PK5. Cerca de 20 pessoas morrem no ataque contra a Igreja de Fatima. Em poucas horas, mais de 70 feridos são tratados no SICA. 

Abril – Maio de 2018
Maio – Junho de 2018

Escalada da violência em Bambari 

A descoberta de duas pessoas mortas à beira da estrada reacende a violência em Bambari, apesar de ter sido declarada “livre de armas” um ano antes, após as operações da Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana (MINUSCA, na sigla em inglês), que expulsaram grupos armados da cidade. 

  

“Na manhã do dia 15 de maio, ouvimos tiros em toda a cidade, e os feridos começaram a chegar ao hospital. Famílias inteiras foram baleadas e feridas. Durante uma semana, Bambari estava em estado de guerra. De maio a junho, 36 pessoas foram feridas, mas acreditamos que o número de feridos é muito maior, pois muitas pessoas não conseguiram chegar ao hospital”.  

MSF em comunicado à imprensa em 29 de junho de 2018. 

Maio – Junho de 2018
6 de fevereiro de 2019

Acordo de Paz e Reconciliação entre o governo e 14 grupos armados 

O acordo, facilitado pela União Africana, prevê, entre outras medidas, a criação de unidades especiais mistas de segurança, compostas de componentes de grupos armados e forças regulares, e a formação de um “governo inclusivo”. 

6 de fevereiro de 2019

20202023

Dezembro de 2020

Criação da Coalizão de Patriotas para a Mudança (CPC, em francês) 

A CPC reúne vários grupos armados contra o presidente Faustin-Archange Touadéra, enquanto a população é convocada a eleger um novo presidente no dia 27 de dezembro. 
Várias linhas de frente se abrem nas principais estradas que ligam Bangui às cidades provinciais, assim como em várias localidades como Bambari, Bangassou e Bouar. O conflito coloca a CPC contra as forças governamentais, apoiadas pela Missão Multidimensional Integrada de Estabilização das Nações Unidas na República Centro-Africana (MINUSCA, na sigla em inglês) e pelos reforços militares russos e ruandeses. 

Dezembro de 2020
Janeiro de 2021

Forças da CPC às portas de Bangui 

Em 13 de janeiro, um ataque da CPC é repelido pelas forças governamentais e seus aliados no distrito de PK12, nos arredores de Bangui, enquanto no sudeste da capital, particularmente na área do Boy Rab, correm rumores sobre a infiltração por elementos da CPC. Faustin-Archange Touadéra é declarado reeleito com 53% dos votos após um primeiro turno contestado. No início do mês, a CPC ataca e assume o controle de Bangassou, causando a fuga de mais de 10 mil pessoas através do rio Mbomou para se refugiar na República Democrática do Congo. Também ocorrem intensos conflitos em Bouar, localizada em uma estrada estratégica de abastecimento para Bangui. 

  

“Mais de 8 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas [em Bouar]. Quase a metade delas vive atualmente na antiga catedral da cidade. Aquelas que decidiram ficar são vítimas de sequestro, roubo e extorsão por homens armados que agora controlam parte da cidade. Essa violência não poupou os profissionais humanitários, que têm sido frequentemente vítimas de saques”.  

MSF em comunicado à imprensa em 26 de janeiro de 2021. 

 

A contraofensiva militar do governo da África Central, apoiada pelos aliados russos, permitiu ao Estado recuperar o controle das principais cidades e estradas do país. Levados à periferia e enfraquecidos, os grupos armados ainda são capazes de infligir danos, e ambos os lados são regularmente acusados de atrocidades. 

Janeiro de 2021
Junho de 2021

Incêndio em acampamento de deslocados em Bambari 

O acampamento Elevage, em Bambari, criado em 2013, é incendiado após conflitos entre as forças governamentais e os componentes da CPC. O local, onde estava localizado um posto de saúde de MSF, abrigou 8.500 pessoas. 

Junho de 2021
Março de 2022

Ex-líder Anti-balaka e CPC, que foi ministro em 2019, é preso no Chade 

Ele é transferido pelo Chade para o Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, para ser levado a julgamento. 

Março de 2022
30 de março de 2022

A ONU condena as atrocidades cometidas tanto por grupos rebeldes quanto por forças governamentais, assim como por seus apoiadores estrangeiros, particularmente a Rússia. “As operações militares têm alegadamente levado a graves violações dos direitos humanos (…) Assassinatos, violência sexual e graves abusos contra crianças têm sido alegados contra todas as partes”. 

30 de março de 2022
19 de abril de 2022

O Tribunal Penal Especial abre seu primeiro julgamento em Bangui contra três membros de um grupo armado acusados de crimes de guerra e contra a humanidade. Eles são condenados em novembro de 2022 a penas que vão até a prisão perpétua. 

19 de abril de 2022
25 de julho de 2022

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos publica dois relatórios sobre eventos ocorridos na República Centro-Africana entre 2020 e 2022, que poderiam ser classificados como crimes de guerra e contra a humanidade. O primeiro se refere a “um ataque brutal e organizado a um vilarejo por uma milícia pró-governamental”, enquanto o segundo descreve como grupos armados específicos cometeram “atos recorrentes de violência sexual, de forma sistemática e generalizada”. 

  

Em 2023, as equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) do país são formadas por quase 3 mil pessoas, a grande maioria delas da África Central. Elas fornecem numerosos serviços médicos, tais como pediatria, cirurgia de trauma e atendimento ao HIV/Aids. Todos os anos, cerca de 900 mil consultas são realizadas através destes projetos, em parceria com as autoridades de saúde. 

25 de julho de 2022